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"É necessário saber perder tempo para comprometer-se nas lutas dos povos periféricos e das classes oprimidas. É necessário saber perder tempo em ouvir a voz de tal povo: suas propostas, interpelações, instituições, poetas, acontecimentos... É necessário saber perder tempo, no curto tempo da vida, em descartar os temas secundários, os da moda, superficiais, desnecessários, os que nada têm a ver com a libertação dos oprimidos." - Enrique Dussel

quarta-feira, 28 de agosto de 2013

INTRODUÇÃO À FILOSOFIA DA ARTE, de BENEDITO NUNES: UM ESTUDO DIRIGIDO

Por Almir Fabiano Nicolau de Moraes


O estudo dirigido sobre o livro de Benedito Nunes visa cumprir os requisitos de atividades didáticas extraclasse, para a disciplina de Estética, além de complementar os conteúdos trabalhados em sala de aula, com uma obra específica para a filosofia da Arte.
O livro utilizado para este trabalho é a edição de 1999 – 4ª Edição, portanto – da editora Ática. A obra está estruturada em quatro partes, a primeira com quatro capítulos trata sobre os conceitos preliminares sobre a filosofia da arte, a segunda, com cinco capítulos, trata sobre a relação entre a arte e a realidade, a terceira parte, também com cinco capítulos, versa sobre a relação entre a arte e a existência, sendo a última parte o epílogo da obra.
A obra de Benedito Nunes apresenta ao todo quatorze capítulos, além do epílogo, onde o autor realiza com proeza e maestria o desenvolvimento cronológico ao mesmo tempo que temático/conceitual da filosofia da Arte, apresentando ao final da obra uma sumária bibliografia sobre o tema, para quem desejar aprofundar-se nos estudos da filosofia da arte.

PRIMEIRA PARTE: CONCEITOS PRELIMINARES

            No primeiro capítulo Benedito Nunes salienta que os primeiros filósofos gregos preocuparam-se com os elementos constitutivos das coisas, bem como os Sofistas do século V a.C. preocuparam-se em debater temas de interesse prático (segundo ele movidos por uma época de crise ateniense), sendo que foi necessário esperar por Sócrates para debater a apreciação das artes. Platão, discípulo de Sócrates, suscitou três ordens de problemas acerca das artes: A essência das obras “pictórias” e “escultóricas” comparadas com a própria realidade, a relação entre elas e a Beleza, e os efeitos morais e psicológicos da Música e da Poesia, conseguindo então problematizar a existência e a finalidade das artes. Coloca também sobre Aristóteles a égide de ter escrito o primeiro tratado (teoria explícita) da Arte que a Antiguidade nos legou.

            Plotino teria  concebido à Arte uma importância metafísica e espiritual que não poderia ser aceita pelos pensadores cristãos, propensos a considera-la objeto mundano; porém, à medida em que “vai decrescendo o interesse intelectual pela arte” intensifica-se o interesse filosófico e teológico sobre a ideia de Beleza. A Beleza para os filósofos medievais pertence essencialmente a Deus, e sua relação com as artes é acidental, não essencial. A união teórica entre o Belo e a Arte se deu no Renascimento, originando na ideia de Natureza.

            No segundo capítulo, Benedito Nunes destaca que o que caracteriza o estudo da estética não é simplesmente o estudo do Belo, mas “vincular esse estudo a uma perspectiva já definida”, já vislumbrada pelos teóricos das artes do século XVII e XVIII, sendo que os dois sentidos, a vista e o ouvido, desempenham função primordial na produção deste deleite. Segue definindo a palavra Estética, do grego aisthesis – “o que é sensível ou o que se relaciona com a sensibilidade”. Desta forma, o Belo não é captado pelo conhecimento intelectual, mas relaciona-se imediatamente com determinada ordem de impressões, sentimentos e emoções, onde o deleite é satisfatório, bastando-se a si mesmo.

            Benedito Nunes cita o conceito de Belo de Baumgarten, que o define como “a perfeição do conhecimento sensível”, dividindo a estética em duas partes, uma teórica e outra prática. Cita depois a contribuição de Kant, responsável por estabelecer firmemente a autonomia do domínio do Belo, na Crítica do Juízo. Kant admite três modalidades de experiência: a cognoscitiva, a prática e a experiência estética, reduzindo o Belo à condição de objeto não determinado por conceitos e de característica desinteressada. Cita também a contribuição de Edmund Husserl com a fenomenologia, passando em seguida para a distinção entre Estética e Filosofia da Arte.

            No terceiro capítulo, Benedito Nunes destaca as três acepções gregas fundamentais do Belo: estética, moral e espiritual.  Na acepção estética, o Belo é a qualidade de certos elementos em estado de pureza, de toda espécie de relação harmoniosa; Na acepção moral, o Belo é a “mesótis” aristotélica, patrimônio das almas equilibradas, que mantém a harmonia, a igual distância da virtude e do vício; O Belo espiritual é o Belo intelectual, e entre estas três acepções há uma relação hierárquica. A união do conceito de Belo estético com o Belo moral efetivou-se no conceito grego de kalokagathia (ser belo e bom), conceito pedagógico da sociedade grega do século V A.C. Cita também os três princípios da filosofia  clássica: “o da imitação, para definir a natureza da Arte, o estético, para estabelecer as condições necessárias de sua existência, e o moral para julgar seu valor”.

            Nos tópicos seguintes, Benedito Nunes passa a esquematizar alguns conceitos da filosofia platônica, a fim de ampliar a abrangência do conceito do Belo em Platão. Discorre então sobre “a essência que não muda” (mundo inteligível), que abrange sua tese metafísica, a proveniência da alma no mundo inteligível (tese psicológica), e a beleza universal – portanto ideal – que é a essência do Belo. Confere superioridade à Poesia, por instigar a lembrança da beleza eterna, “reacendendo o desejo infinito do Belo, que se chama Amor”.
            Já no quarto capítulo, Benedito Nunes discorre sobre a estética na filosofia de Aristóteles, que segundo o autor diminui a distância entre o caráter contemplativo do Belo e a dimensão prática da obra de arte, presente na filosofia platônica. Para Aristóteles, a arte também possui causas naturais de matéria e forma, sendo que tanto o movimento natural como o prático saem da mesma fonte. A poética, como representação da realidade natural e humana, produz na narrativa trágica a Catarse, que é o meio termo entre a comiseração e o temor, identificando-se com o prazer intelectual e moral, produzindo um “misto de receio prudente e de simpatia”. Para Aristóteles, a beleza é a propriedade intrínseca na obra de arte, caracterizada pela ordem (inter-relacionamento das partes) e grandeza (extensão de cada uma e do conjunto), tendo assim a beleza “forma orgânica”.

            Em outros tópicos, Benedito Nunes discorre sobre a concepção de beleza suprassensível, imutável e eterna em Plotino, posteriormente o Belo como antecipação do gozo sobrenatural da vida eterna em Tomás de Aquino. Neste sentido, a herança aristotélica se dá na separação entre a arte operativa e a beleza contemplativa.

SEGUNDA PARTE: ARTE E REALIDADE

            Benedito Nunes discorre no capítulo cinco sobre o conceito de mimesis na filosofia socrática, aristotélica e posteriormente no Renascimento. Em Sócrates, a imitação se dá pela reminiscência, ou seja, o escultor e o pintor reconhecem as coisas que são belas associando-as num modelo ideal que já possuem na mente. Para Aristóteles, imitar é “representar, por certos meios – linhas, cores, volumes, movimentos e palavras – coisas e ações, com o máximo de semelhança ou de fidelidade”; assim, a mimese artística é o prolongamento de uma tendência natural aos homens e animais – a tendência para imitar. Em Platão existem dois atos miméticos fundamentais: a imitação primeira realizada pelo Demiurgo e a imitação moral que a alma faz do Bem e da Beleza. No Renascimento os artistas procuram imitar o que a natureza tem de essencial e perfeito.

            No sexto capítulo, Benedito Nunes realiza uma pequena explanação sobre a filosofia de Kant, passando por sua teoria do conhecimento e moral, para detalhar um pouco mais a crítica do juízo. Para Kant, os juízos estéticos não se fundamentam em conceitos, mas da experiência pessoal que estabelece juízos de gosto que tendem a universalizar-se, diferentemente da experiência empírica e da experiência moral. Assim, o Belo é “o que é reconhecido sem conceito como objeto de uma satisfação universal”, que por não estar subordinada a conceitos, possui valor autônomo, sendo um fim em si mesma. A experiência estética depende da imaginação para universalizar-se (jogos de imaginação).

            No capítulo sete, Benedito Nunes discorre sobre a filosofia estética de Schiller, que superando o dualismo entre sensibilidade e entendimento existente em Kant, acrescenta um terceiro impulso, o impulso lúdico – impulso para o jogo. Para Schiller, a Beleza é definida como “forma viva”, surgindo da convergência do subjetivo com o objetivo, e é com a Beleza que o impulso lúdico joga. Sem o jogo estético, o homem não seria espírito, ou seja, não teria adquirido liberdade em face da natureza; sendo assim, o jogo estético põe em jogo toda a realidade.

            Para Goethe, levando em consideração que o impulso lúdico é o impulso artístico, há dois impulsos artísticos, o de projeção e o de abstração.

            Benedito Nunes, no capítulo oito discorre desde o idealismo alemão até a filosofia das formas simbólicas de Ernst Cassirrer. Da filosofia de Scheling, salienta que a intuição do Absoluto se dá teleologicamente pela atividade artística, seguindo para um explanação da filosofia de Hegel, onde a Arte, juntamente com a Religião e a Filosofia, é um momento do espírito absoluto. Depois, parte para Schopenhauer e Nietzsche, ressaltando que a criação artística é um tipo de conhecimento primordial “vedado à Razão”. Em Bergson, Benedito Nunes ressalta que a arte é um meio condutor da emoção, sendo portanto um conhecimento intuitivo. Sobre Cassirer, cita que a arte, sendo uma das formas simbólicas, “é uma forma simbólica para o artista que cria e para a consciência que contempla o produto se sua criação”.

            No capítulo nove Benedito Nunes inicia discorrendo sobre o conceito de “expressão”, que para Leibniz é “o ato que consiste em relacionar certos dados atuais presentes a objetos ocultos ou distantes”; destaca também a acepção psicológica do termo: “expressão é o conjunto de efeitos exteriores da consciência, efeitos esses que são sintomas de processos interiores ou sinais de estados psíquicos, sentimentais e emotivos”. Utilizando da fenomenologia em Merleau-Ponty, cita que a intencionalidade não é simples ação voluntária, mas a direção da consciência para os objetos. Para Benedetto Croce, a Arte nasce da intuição de sentimentos que o artista converte em imagens, sendo que o que a distingue de outras manifestações do Espírito é a predominância marcante na poesia lírica, de sentimentos e emoções. Conclui o autor que “a forma artística não é alheia ao sentido nem exterior a ele: e constitutiva do sentimento e da intuição na poesia”, bem como os aspectos qualitativos e sensíveis integram as formas artísticas.

TERCEIRA PARTE – ARTE E EXISTÊNCIA

                Benedito Nunes, no capítulo 10, discorre sobre a relação entre a Moral e a Arte, bem como a ação moral da Arte, passando por Platão, Homero, Tolstói, Nietzsche, Bergson e Sartre, conclui em suma que “é revelando as possibilidades da consciência moral e não adotando uma moral, que a arte cumpre a sua finalidade ética”.

                No capítulo 11 o autor discorre sobre a relação entre a Arte e suas condições sociais, passando pelo naturalismo de Hippolyte Taine e o materialismo histórico de Marx. Para Hippolyte, assim como o meio físico determina a diversidade racial, estas determinam certos traços físicos e psíquicos que “se refletem nos sentimentos dos indivíduos e no caráter das instituições”, que por sua vez correspondem a inclinações que formam uma espécie de “meio moral” que influencia a atividade artística e seu conteúdo.  Já em Marx, a abordagem artística se dá por dois princípios gerais: Sendo pertencente à superestrutura da sociedade, é um fenômeno derivado da atividade social, e por sua natureza essencialmente prática, consiste em uma função ideológica. Estabelece-se então uma noção de “arte militante”, com uma estética que se legitima por um compromisso político prévio, instrumentalizada como recurso prático de uma luta revolucionária. Ao concluir o capítulo, Nunes estabelece uma relação dialética entre a Arte e a sociedade, no sentido de que “o artista não somente cristaliza na sua criação uma dada realidade social, mas responde ativamente às solicitações de seu meio, às exigências de sua classe, aos problemas morais, sociais e políticos de sua época”.

                No capítulo 12 é discutido o caráter histórico das Artes, onde o autor inicia com a concepção de “multivalência histórica” de Merleau-Ponty. Embora o objeto estético seja datável, situado num momento do tempo histórico,  o mesmo possui uma outra dimensão além da dimensão objetiva do tempo histórico (vertical e horizontal), que é a temporalidade “transversal”, por onde recorrem “os inesperados compromissos com o passado, a retomada de tradições que se olvidaram, a descoberta de veios inexplorados que passam a estimular a criação artística.” Ainda há uma quarta dimensão histórica da arte, subjacentes às outras três, onde assenta-se o que há de durável e permanente nas obras artísticas. Assim, após discorrer sobre a relação entre a Arte e a dimensão histórica pelo conceito de “Concepção-de-Mundo” em Hegel, conclui o capítulo considerando que as formas artísticas têm uma “natureza dúplice”: são temporais e intemporais.

                Benedito Nunes, no capítulo 13 discorre sobre os prognósticos acerca da Arte, iniciando pela morte da Arte anunciada por Hegel e Marx, tendo o primeiro por causa “o abandono pelo Espírito do ‘invólucro da Arte’”, e o segundo as novas relações de produção decorrentes do capitalismo industrial. Outro diagnóstico é dado por Lewis Mumford, segundo o qual o tecnicismo ameaça absorver a expressão artística. Segue discorrendo sobre os desdobramentos destes prognósticos, principalmente no Dadaísmo e Surrealismo.

                Por fim, Benedito Nunes discorre no capítulo 14 sobre a Arte abstrata, o desinteresse do Belo e a destruição da Estética: “O problematismo da arte contemporânea é, portanto, radical. Em cada obra de arte que se produz está em jogo o destino da arte; em cada uma delas o artista arrisca-se a mata-la ou a fazê-la existir”.