POR Almir Fabiano Nicolau de Moraes
Na atual conjuntura social, onde a
proxemia física concretiza-se em detrimento da experiência da proximidade
meta-física num contexto de globalização, o entendimento do Outro tem sido um
exercício restringido à afirmação (instrumentalizada) do ‘Eu-Total’ pela prática de-compositora
da Razão. O espaço geo-físico (guardado o devido pleonasmo) superado no
contexto dos “Ciber-relacionamentos”
são cabíveis exemplos da proposição supracitada, tendo em vista o contraste de
relacionamentos sociais convencionais, onde o Outro é tratado como "um-diferente”,
ao passo que no universo “Ciber-cultural”
o Outro se apresenta como “um-mesmo”. Este “não-reconhecimento”
do Outro como “um-diferente” é sintomático de um contexto de instrumentalização
das relações sociais por um “Eu” que não reconhece o Outro, nem se
reconhece no Outro, mas reconhece-se (afirma-se) pelo (e apesar) do
Outro.
Trata-se,
de certa forma, de uma “diagnose” de atuais práticas sociais determinantes (ou
resultantes) de formas de Ser. Neste caso, relações virtuais que atualizam-se
em práticas sociais de instrumentalização do Outro referem-se a formas de ser
pautadas pelo racionalismo perspectivista. Estas práticas sociais efetuam a
de-composição do Comum em indivíduos totalizados, microcosmos perspectivados e
alienados da “Comum-unidade”.
Sinalizo
a tese proposta pelo querido professor José Maria de Paiva, em nossas reuniões em sala de aula, de que tais “Formas de Ser”
advenham de práticas sociais mercantis. Não me deterei nisto, embora saliente a
coerência de tal argumento em relação à análise de conjuntura supracitada. As
práticas mercantis, que emergiram a partir do distanciamento (consciente) do
“É” em relação à physis, consistiam
da perspectivação do meio (natura, bioma) e sua conseqüente valoração, tendo em
vista relações comerciais baseadas na troca. Com a finalidade de resolver
questões dúbias em relação ao estabelecimento do valor igualitário do objeto da
troca, surge a moeda, o dinheiro (denário),
símbolo e convenção da prática mercantil, resultante do entendimento racional,
e resultando em um grau maior de subjetividade. Tais práticas sociais
graduam-se na instituição do salário, que podemos sinalizar como a valoração
agora não apenas do objeto da troca, mas do Outro, um “É” tido como
escravo, funcionário, oficial ou jornaleiro. Eis que, em nossos dias, a prática
mercantil elevou-se à instrumentalização do Si-próprio, o “É”, agora tomado
como mercadoria; não bastou instrumentalizarmos o meio-ambiente e seus recursos,
a técnica e a cultura humana, houve a necessidade de instrumentalização da
própria subjetividade, do Si-mesmo, tomado como objeto de lucro – quem nunca
ouviu falar em “empreendedorismo” e “marketing pessoal”?
Aqui
estou “Eu”, no afã da solidão (passiva) em detrimento da solitude (ativa),
perto apesar de longe, esgarçado em minhas malhas do “Si-mesmo”, perdendo-me de
mim no intento desesperador de achar-me... “Ecce homo” – o que fareis
dele ???
Não pretendo res-ponder à indagação acima, mas posso
apontar um caminho possível – e não é de se estranhar que se estruture em uma
prática social: o Amor.
O “pathos”,
ou o afeto, refere-se a um modo de ser que subsume o Diferente, que conhece o
mundo por um entendimento afetivo que não perspectiva, mas assimila o Todo. Já
dizia Pascal que “o coração tem suas razões, que a própria razão desconhece”. O
afeto é a possibilidade do Si-mesmo assimilar o Outro, senti-lo em Si e
sentir-se nele. E neste processo que constitui o É, não há distanciamento e nem
instrumentalização, mas há “Expressão fluidora” de Vida. Não há retorno ao entendimento
afetivo, uma vez feito uso do modo de ser racional. Neste sentido (restrito),
são antitéticos. Uma vez submerso no entendimento perspectivista, o afeto
constitui-se como anulação do “É”. Na impossibilidade, surge o milagre do Amor.
Entendo o Amor não como um afeto, mas arrisco-me a
tomá-lo como um “Modo de Ser” capaz de transcender a razão e o afeto, sem
porém, anulá-los. Amor, assim, estaria no âmbito da práxis, sendo:
“partilhar
a Existência, no exercício de oferecer a Vida em serviço...”
“Amor” é um modo ser,
“Amar” é a prática social do Amor, ou seja, a solidariedade. Pouco me importam
as concepções gregas do amor – para mim não passam de modalidades do Amor. O
Amor aqui descrito circunscreve-se no ato de sacrifício do Si-mesmo, que ao
partilhar da potência da Vida afirma-se pela assimilação do Outro como “um-mesmo-diferente”.
É um paradoxo, não nego – mas se não o fosse, seria meramente racional...
O Amor é o modo de ser que partilha a gratuidade da
Vida com o próximo – reconhecendo-o como um “Eu”. Mas é um sacrifício, pois não
parte da análise do que se tem para dar, mas sim do que o Outro necessita;
sacrifício egoísta que concretiza-se no altruísmo. Eis aqui o Amar – a
solidariedade, que retorna ao Comum pela escolha individual. Não que seja
conveniente, vantajoso ou agradável – muito pelo contrário, mas é o pulsar que
lança fora todo o medo (cf. I Jo
4:18), que faz a soma das partes superar o todo, que nos leva a experenciar a
proximidade que independe do espaço geo-físico.
O Amor também instrumentaliza, instrumentaliza a morte
para a Vida, tornando cada “Eu” eterno no “Outro”. Faz da Vida – estância à gratuidade
– o maior Bem a ter e consequentemente oferecer. Solidariedade é a partilha
deste Bem.
Sinalizei que apresentaria (apenas) um caminho
possível, enfatizando a não pretensão de trazer respostas (no sentido de darem
conta do Todo que constitui o problema); isto, porque não posso incorrer-me no
erro de tentar conceituar, de-finir (delimitar) o Amor. Apenas
apresento (já fruto de um modo de ser social racionalista) uma perspectiva do
mesmo.
O desafio que se apresenta não se constitui no reconhecimento
do Outro – mas na realização da “Experiência
da Proximidade”. Quem a fará, para além de nossa (ciber)compreensão do Si-mesmo,
do Outro e do Mundo?
“Agora, porém,
permanecem estes três: A Fé, a Esperança e o Amor – mas o maior deles é o Amor”
– I Cor. 13:13.