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"É necessário saber perder tempo para comprometer-se nas lutas dos povos periféricos e das classes oprimidas. É necessário saber perder tempo em ouvir a voz de tal povo: suas propostas, interpelações, instituições, poetas, acontecimentos... É necessário saber perder tempo, no curto tempo da vida, em descartar os temas secundários, os da moda, superficiais, desnecessários, os que nada têm a ver com a libertação dos oprimidos." - Enrique Dussel

segunda-feira, 1 de abril de 2013

FORMAS DE SER, PRÁTICAS SOCIAIS E ALTERIDADE

POR Almir Fabiano Nicolau de Moraes



Na atual conjuntura social, onde a proxemia física concretiza-se em detrimento da experiência da proximidade meta-física num contexto de globalização, o entendimento do Outro tem sido um exercício restringido à afirmação (instrumentalizada) do ‘Eu-Total’ pela prática de-compositora da Razão. O espaço geo-físico (guardado o devido pleonasmo) superado no contexto dos “Ciber-relacionamentos” são cabíveis exemplos da proposição supracitada, tendo em vista o contraste de relacionamentos sociais convencionais, onde o Outro é tratado como "um-diferente”, ao passo que no universo “Ciber-cultural” o Outro se apresenta como “um-mesmo”. Este “não-reconhecimento” do Outro como “um-diferente” é sintomático de um contexto de instrumentalização das relações sociais por um “Eu” que não reconhece o Outro, nem se reconhece no Outro, mas reconhece-se (afirma-se) pelo (e apesar) do Outro.
            Trata-se, de certa forma, de uma “diagnose” de atuais práticas sociais determinantes (ou resultantes) de formas de Ser. Neste caso, relações virtuais que atualizam-se em práticas sociais de instrumentalização do Outro referem-se a formas de ser pautadas pelo racionalismo perspectivista. Estas práticas sociais efetuam a de-composição do Comum em indivíduos totalizados, microcosmos perspectivados e alienados da “Comum-unidade”.
            Sinalizo a tese proposta pelo querido professor José Maria de Paiva, em nossas reuniões em sala de aula, de que tais “Formas de Ser” advenham de práticas sociais mercantis. Não me deterei nisto, embora saliente a coerência de tal argumento em relação à análise de conjuntura supracitada. As práticas mercantis, que emergiram a partir do distanciamento (consciente) do “É” em relação à physis, consistiam da perspectivação do meio (natura, bioma) e sua conseqüente valoração, tendo em vista relações comerciais baseadas na troca. Com a finalidade de resolver questões dúbias em relação ao estabelecimento do valor igualitário do objeto da troca, surge a moeda, o dinheiro (denário), símbolo e convenção da prática mercantil, resultante do entendimento racional, e resultando em um grau maior de subjetividade. Tais práticas sociais graduam-se na instituição do salário, que podemos sinalizar como a valoração agora não apenas do objeto da troca, mas do Outro, um “É” tido como escravo, funcionário, oficial ou jornaleiro. Eis que, em nossos dias, a prática mercantil elevou-se à instrumentalização do Si-próprio, o “É”, agora tomado como mercadoria; não bastou instrumentalizarmos o meio-ambiente e seus recursos, a técnica e a cultura humana, houve a necessidade de instrumentalização da própria subjetividade, do Si-mesmo, tomado como objeto de lucro – quem nunca ouviu falar em “empreendedorismo” e “marketing pessoal”?
            Aqui estou “Eu”, no afã da solidão (passiva) em detrimento da solitude (ativa), perto apesar de longe, esgarçado em minhas malhas do “Si-mesmo”, perdendo-me de mim no intento desesperador de achar-me... “Ecce homo” – o que fareis dele ???
              Não pretendo res-ponder à indagação acima, mas posso apontar um caminho possível – e não é de se estranhar que se estruture em uma prática social: o Amor.
              O “pathos”, ou o afeto, refere-se a um modo de ser que subsume o Diferente, que conhece o mundo por um entendimento afetivo que não perspectiva, mas assimila o Todo. Já dizia Pascal que “o coração tem suas razões, que a própria razão desconhece”. O afeto é a possibilidade do Si-mesmo assimilar o Outro, senti-lo em Si e sentir-se nele. E neste processo que constitui o É, não há distanciamento e nem instrumentalização, mas há “Expressão fluidora” de Vida. Não há retorno ao entendimento afetivo, uma vez feito uso do modo de ser racional. Neste sentido (restrito), são antitéticos. Uma vez submerso no entendimento perspectivista, o afeto constitui-se como anulação do “É”. Na impossibilidade, surge o milagre do Amor.
              Entendo o Amor não como um afeto, mas arrisco-me a tomá-lo como um “Modo de Ser” capaz de transcender a razão e o afeto, sem porém, anulá-los. Amor, assim, estaria no âmbito da práxis, sendo:
“partilhar a Existência, no exercício de oferecer a Vida em serviço...”
“Amor” é um modo ser, “Amar” é a prática social do Amor, ou seja, a solidariedade. Pouco me importam as concepções gregas do amor – para mim não passam de modalidades do Amor. O Amor aqui descrito circunscreve-se no ato de sacrifício do Si-mesmo, que ao partilhar da potência da Vida afirma-se pela assimilação do Outro como “um-mesmo-diferente”. É um paradoxo, não nego – mas se não o fosse, seria meramente racional...
              O Amor é o modo de ser que partilha a gratuidade da Vida com o próximo – reconhecendo-o como um “Eu”. Mas é um sacrifício, pois não parte da análise do que se tem para dar, mas sim do que o Outro necessita; sacrifício egoísta que concretiza-se no altruísmo. Eis aqui o Amar – a solidariedade, que retorna ao Comum pela escolha individual. Não que seja conveniente, vantajoso ou agradável – muito pelo contrário, mas é o pulsar que lança fora todo o medo (cf. I Jo 4:18), que faz a soma das partes superar o todo, que nos leva a experenciar a proximidade que independe do espaço geo-físico.
              O Amor também instrumentaliza, instrumentaliza a morte para a Vida, tornando cada “Eu” eterno no “Outro”. Faz da Vida – estância à gratuidade – o maior Bem a ter e consequentemente oferecer. Solidariedade é a partilha deste Bem.
              Sinalizei que apresentaria (apenas) um caminho possível, enfatizando a não pretensão de trazer respostas (no sentido de darem conta do Todo que constitui o problema); isto, porque não posso incorrer-me no erro de tentar conceituar, de-finir (delimitar) o Amor. Apenas apresento (já fruto de um modo de ser social racionalista) uma perspectiva do mesmo.
              O desafio que se apresenta não se constitui no reconhecimento do Outro – mas na realização da “Experiência da Proximidade”. Quem a fará, para além de nossa (ciber)compreensão do Si-mesmo, do Outro e do Mundo?
              “Agora, porém, permanecem estes três: A Fé, a Esperança e o Amor – mas o maior deles é o Amor” – I Cor. 13:13.




Um comentário:

  1. Amadeu Provenzano Filho
    Sim Almir, é o Amor o maior de tudo do que ainda subsiste: A Fé a a Eperança deixarão de existir na finitude desta nossa vida terrena. Entretanto, mesmo depois de termos feito a nossa passagem, permanecerá o Amor. Tudo passa, só o Amor permanece porque o Amor - aquele ágape, é o próprio Deus. E viver o amor hoje, é o grande desafio do ser humano.

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