Por Almir Fabiano Nicolau de Moraes
O estudo
dirigido sobre o livro de Benedito Nunes visa cumprir os requisitos de
atividades didáticas extraclasse, para a disciplina de Estética, além de
complementar os conteúdos trabalhados em sala de aula, com uma obra específica
para a filosofia da Arte.
O livro
utilizado para este trabalho é a edição de 1999 – 4ª Edição, portanto – da
editora Ática. A obra está estruturada em quatro partes, a primeira com quatro
capítulos trata sobre os conceitos preliminares sobre a filosofia da arte, a
segunda, com cinco capítulos, trata sobre a relação entre a arte e a
realidade, a terceira parte, também com cinco capítulos, versa sobre a relação
entre a arte e a existência, sendo a última parte o epílogo da obra.
A obra de
Benedito Nunes apresenta ao todo quatorze capítulos, além do epílogo, onde o
autor realiza com proeza e maestria o desenvolvimento cronológico ao mesmo
tempo que temático/conceitual da filosofia da Arte, apresentando ao final da
obra uma sumária bibliografia sobre o tema, para quem desejar aprofundar-se
nos estudos da filosofia da arte.
PRIMEIRA PARTE: CONCEITOS
PRELIMINARES
No
primeiro capítulo Benedito Nunes salienta que os primeiros filósofos gregos
preocuparam-se com os elementos constitutivos das coisas, bem como os Sofistas
do século V a.C. preocuparam-se em debater temas de interesse prático (segundo
ele movidos por uma época de crise ateniense), sendo que foi necessário
esperar por Sócrates para debater a apreciação das artes. Platão, discípulo de
Sócrates, suscitou três ordens de problemas acerca das artes: A essência das
obras “pictórias” e “escultóricas” comparadas com a própria realidade, a
relação entre elas e a Beleza, e os efeitos morais e psicológicos da Música e
da Poesia, conseguindo então problematizar a existência e a finalidade das
artes. Coloca também sobre Aristóteles a égide de ter escrito o primeiro
tratado (teoria explícita) da Arte que a Antiguidade nos legou.
Plotino
teria concebido à Arte uma importância
metafísica e espiritual que não poderia ser aceita pelos pensadores cristãos,
propensos a considera-la objeto mundano; porém, à medida em que “vai
decrescendo o interesse intelectual pela arte” intensifica-se o interesse
filosófico e teológico sobre a ideia de Beleza. A Beleza para os filósofos
medievais pertence essencialmente a Deus, e sua relação com as artes é
acidental, não essencial. A união teórica entre o Belo e a Arte se deu no
Renascimento, originando na ideia de Natureza.
No
segundo capítulo, Benedito Nunes destaca que o que caracteriza o estudo da
estética não é simplesmente o estudo do Belo, mas “vincular esse estudo a uma
perspectiva já definida”, já vislumbrada pelos teóricos das artes do século
XVII e XVIII, sendo que os dois sentidos, a vista e o ouvido, desempenham
função primordial na produção deste deleite. Segue definindo a palavra
Estética, do grego aisthesis – “o
que é sensível ou o que se relaciona com a sensibilidade”. Desta forma, o Belo
não é captado pelo conhecimento intelectual, mas relaciona-se imediatamente
com determinada ordem de impressões, sentimentos e emoções, onde o deleite é
satisfatório, bastando-se a si mesmo.
Benedito
Nunes cita o conceito de Belo de Baumgarten, que o define como “a perfeição do
conhecimento sensível”, dividindo a estética em duas partes, uma teórica e
outra prática. Cita depois a contribuição de Kant, responsável por estabelecer
firmemente a autonomia do domínio do Belo, na Crítica do Juízo. Kant admite
três modalidades de experiência: a cognoscitiva, a prática e a experiência
estética, reduzindo o Belo à condição de objeto não determinado por conceitos
e de característica desinteressada. Cita também a contribuição de Edmund
Husserl com a fenomenologia, passando em seguida para a distinção entre
Estética e Filosofia da Arte.
No
terceiro capítulo, Benedito Nunes destaca as três acepções gregas fundamentais
do Belo: estética, moral e espiritual.
Na acepção estética, o Belo é a qualidade de certos elementos em estado
de pureza, de toda espécie de relação harmoniosa; Na acepção moral, o Belo é a
“mesótis” aristotélica, patrimônio
das almas equilibradas, que mantém a harmonia, a igual distância da virtude e
do vício; O Belo espiritual é o Belo intelectual, e entre estas três acepções
há uma relação hierárquica. A união do conceito de Belo estético com o Belo
moral efetivou-se no conceito grego de kalokagathia
(ser belo e bom), conceito pedagógico da sociedade grega do século V A.C. Cita
também os três princípios da filosofia
clássica: “o da imitação,
para definir a natureza da Arte, o estético,
para estabelecer as condições necessárias de sua existência, e o moral para julgar seu valor”.
Nos
tópicos seguintes, Benedito Nunes passa a esquematizar alguns conceitos da
filosofia platônica, a fim de ampliar a abrangência do conceito do Belo em
Platão. Discorre então sobre “a essência que não muda” (mundo inteligível),
que abrange sua tese metafísica, a proveniência da alma no mundo inteligível
(tese psicológica), e a beleza universal – portanto ideal – que é a essência
do Belo. Confere superioridade à Poesia, por instigar a lembrança da beleza
eterna, “reacendendo o desejo infinito do Belo, que se chama Amor”.
Já
no quarto capítulo, Benedito Nunes discorre sobre a estética na filosofia de
Aristóteles, que segundo o autor diminui a distância entre o caráter
contemplativo do Belo e a dimensão prática da obra de arte, presente na
filosofia platônica. Para Aristóteles, a arte também possui causas naturais de
matéria e forma, sendo que tanto o movimento natural como o prático saem da
mesma fonte. A poética, como representação da realidade natural e humana,
produz na narrativa trágica a Catarse, que é o meio termo entre a comiseração
e o temor, identificando-se com o prazer intelectual e moral, produzindo um
“misto de receio prudente e de simpatia”. Para Aristóteles, a beleza é a propriedade
intrínseca na obra de arte, caracterizada pela ordem (inter-relacionamento das
partes) e grandeza (extensão de cada uma e do conjunto), tendo assim a beleza
“forma orgânica”.
Em
outros tópicos, Benedito Nunes discorre sobre a concepção de beleza
suprassensível, imutável e eterna em Plotino, posteriormente o Belo como
antecipação do gozo sobrenatural da vida eterna em Tomás de Aquino. Neste
sentido, a herança aristotélica se dá na separação entre a arte operativa e a
beleza contemplativa.
SEGUNDA PARTE: ARTE E REALIDADE
Benedito
Nunes discorre no capítulo cinco sobre o conceito de mimesis na filosofia socrática, aristotélica e posteriormente no
Renascimento. Em Sócrates, a imitação se dá pela reminiscência, ou seja, o
escultor e o pintor reconhecem as coisas que são belas associando-as num
modelo ideal que já possuem na mente. Para Aristóteles, imitar é “representar,
por certos meios – linhas, cores, volumes, movimentos e palavras – coisas e
ações, com o máximo de semelhança ou de fidelidade”; assim, a mimese artística
é o prolongamento de uma tendência natural aos homens e animais – a tendência
para imitar. Em Platão existem dois atos miméticos fundamentais: a imitação
primeira realizada pelo Demiurgo e a imitação moral que a alma faz do Bem e da
Beleza. No Renascimento os artistas procuram imitar o que a natureza tem de
essencial e perfeito.
No
sexto capítulo, Benedito Nunes realiza uma pequena explanação sobre a
filosofia de Kant, passando por sua teoria do conhecimento e moral, para detalhar
um pouco mais a crítica do juízo. Para Kant, os juízos estéticos não se
fundamentam em conceitos, mas da experiência pessoal que estabelece juízos de
gosto que tendem a universalizar-se, diferentemente da experiência empírica e
da experiência moral. Assim, o Belo é “o que é reconhecido sem conceito como
objeto de uma satisfação universal”, que por não estar subordinada a
conceitos, possui valor autônomo, sendo um fim em si mesma. A experiência
estética depende da imaginação para universalizar-se (jogos de imaginação).
No
capítulo sete, Benedito Nunes discorre sobre a filosofia estética de Schiller,
que superando o dualismo entre sensibilidade e entendimento existente em Kant,
acrescenta um terceiro impulso, o impulso lúdico – impulso para o jogo. Para Schiller,
a Beleza é definida como “forma viva”, surgindo da convergência do subjetivo
com o objetivo, e é com a Beleza que o impulso lúdico joga. Sem o jogo
estético, o homem não seria espírito, ou seja, não teria adquirido liberdade
em face da natureza; sendo assim, o jogo estético põe em jogo toda a
realidade.
Para
Goethe, levando em consideração que o impulso lúdico é o impulso artístico, há
dois impulsos artísticos, o de projeção e o de abstração.
Benedito
Nunes, no capítulo oito discorre desde o idealismo alemão até a filosofia das
formas simbólicas de Ernst Cassirrer. Da filosofia de Scheling, salienta que a
intuição do Absoluto se dá teleologicamente pela atividade artística, seguindo
para um explanação da filosofia de Hegel, onde a Arte, juntamente com a
Religião e a Filosofia, é um momento do espírito absoluto. Depois, parte para
Schopenhauer e Nietzsche, ressaltando que a criação artística é um tipo de
conhecimento primordial “vedado à Razão”. Em Bergson, Benedito Nunes ressalta
que a arte é um meio condutor da emoção, sendo portanto um conhecimento
intuitivo. Sobre Cassirer, cita que a arte, sendo uma das formas simbólicas,
“é uma forma simbólica para o artista que cria e para a consciência que
contempla o produto se sua criação”.
No
capítulo nove Benedito Nunes inicia discorrendo sobre o conceito de
“expressão”, que para Leibniz é “o ato que consiste em relacionar certos dados
atuais presentes a objetos ocultos ou distantes”; destaca também a acepção
psicológica do termo: “expressão é o conjunto de efeitos exteriores da
consciência, efeitos esses que são sintomas de processos interiores ou sinais
de estados psíquicos, sentimentais e emotivos”. Utilizando da fenomenologia em
Merleau-Ponty, cita que a intencionalidade não é simples ação voluntária, mas
a direção da consciência para os objetos. Para Benedetto Croce, a Arte nasce
da intuição de sentimentos que o artista converte em imagens, sendo que o que
a distingue de outras manifestações do Espírito é a predominância marcante na
poesia lírica, de sentimentos e emoções. Conclui o autor que “a forma
artística não é alheia ao sentido nem exterior a ele: e constitutiva do
sentimento e da intuição na poesia”, bem como os aspectos qualitativos e
sensíveis integram as formas artísticas.
TERCEIRA PARTE – ARTE E EXISTÊNCIA
Benedito Nunes, no capítulo 10,
discorre sobre a relação entre a Moral e a Arte, bem como a ação moral da
Arte, passando por Platão, Homero, Tolstói, Nietzsche, Bergson e Sartre, conclui
em suma que “é revelando as possibilidades da consciência moral e não adotando
uma moral, que a arte cumpre a sua finalidade ética”.
No capítulo 11 o autor discorre
sobre a relação entre a Arte e suas condições sociais, passando pelo
naturalismo de Hippolyte Taine e o materialismo histórico de Marx. Para
Hippolyte, assim como o meio físico determina a diversidade racial, estas
determinam certos traços físicos e psíquicos que “se refletem nos sentimentos
dos indivíduos e no caráter das instituições”, que por sua vez correspondem a
inclinações que formam uma espécie de “meio moral” que influencia a atividade
artística e seu conteúdo. Já em Marx, a
abordagem artística se dá por dois princípios gerais: Sendo pertencente à
superestrutura da sociedade, é um fenômeno derivado da atividade social, e por
sua natureza essencialmente prática, consiste em uma função ideológica.
Estabelece-se então uma noção de “arte militante”, com uma estética que se
legitima por um compromisso político prévio, instrumentalizada como recurso
prático de uma luta revolucionária. Ao concluir o capítulo, Nunes estabelece
uma relação dialética entre a Arte e a sociedade, no sentido de que “o artista
não somente cristaliza na sua criação uma dada realidade social, mas responde
ativamente às solicitações de seu meio, às exigências de sua classe, aos
problemas morais, sociais e políticos de sua época”.
No capítulo 12 é discutido o
caráter histórico das Artes, onde o autor inicia com a concepção de
“multivalência histórica” de Merleau-Ponty. Embora o objeto estético seja
datável, situado num momento do tempo histórico, o mesmo possui uma outra dimensão além da
dimensão objetiva do tempo histórico (vertical e horizontal), que é a
temporalidade “transversal”, por onde recorrem “os inesperados compromissos com
o passado, a retomada de tradições que se olvidaram, a descoberta de veios
inexplorados que passam a estimular a criação artística.” Ainda há uma quarta
dimensão histórica da arte, subjacentes às outras três, onde assenta-se o que
há de durável e permanente nas obras artísticas. Assim, após discorrer sobre a
relação entre a Arte e a dimensão histórica pelo conceito de
“Concepção-de-Mundo” em Hegel, conclui o capítulo considerando que as formas
artísticas têm uma “natureza dúplice”: são temporais e intemporais.
Benedito Nunes, no capítulo 13
discorre sobre os prognósticos acerca da Arte, iniciando pela morte da Arte
anunciada por Hegel e Marx, tendo o primeiro por causa “o abandono pelo
Espírito do ‘invólucro da Arte’”, e o segundo as novas relações de produção
decorrentes do capitalismo industrial. Outro diagnóstico é dado por Lewis
Mumford, segundo o qual o tecnicismo ameaça absorver a expressão artística.
Segue discorrendo sobre os desdobramentos destes prognósticos, principalmente
no Dadaísmo e Surrealismo.
Por fim, Benedito Nunes
discorre no capítulo 14 sobre a Arte abstrata, o desinteresse do Belo e a
destruição da Estética: “O problematismo da arte contemporânea é, portanto,
radical. Em cada obra de arte que se produz está em jogo o destino da arte; em
cada uma delas o artista arrisca-se a mata-la ou a fazê-la existir”.