Longino, ou pseudo-Longino
- posto que seu nome real é desconhecido - , era um professor de retórica ou
crítico literário que pode ter vivido entre o século III a.C. e o século I.
Esta obra (O Tratado sobre o Sublime) é comumente atribuída a ele, mas há
divergências entre os historiadores da filosofia. A divergência se dá pela
assinatura do tratado presente no documento original, onde não pode-se
distinguir entre “Dionísio Longino” ou a disjunção “Dionísio ou
Longino”. Assim, os historiadores da filosofia divergem a respeito da atribuição
desta obra, sendo três as hipóteses mais comuns: Dionísio de Halicarnasso
(do século de Augusto); Cassio Longino, amigo de Plotino no
séc. III d.C; ou um personagem desconhecido chamado Dionísio Longino.
Levando-se em conta que tal
divergência não está resolvida, costuma-se atribuir a autoria do tratado à “pseudo-Longino”,
utilizando como possível data o período entre 213 a 273 d.C.
Longino não entende o Sublime como
“estilo”, mas sim como “atitude”, e seu tratado tem como objetivo discutir a essência do Sublime, ou seja, a
essência dessa atitude.
Longino inicia seu tratado a partir
da seguinte questão: até que ponto é possível estimular nossos dons naturais?
Para tanto, problematiza a relação da natureza com a arte, isto é, com a técnica.
Na criação há natureza e técnica, e é
preciso pensar em seu necessário encontro. Esta relação não pode ser pensada de
um modo sucessivo (um após o outro), mas sim em ato. Aqui, a natureza é tida enquanto dom inato ou talento, e a
técnica o trabalho. A essência do Sublime
está no impulso realizado nas obras, ou seja, “é uma questão de fronteira,
de passagem entre o inato e o adquirido, dom e técnica, ‘avatar’ da oposição
entre physis e nomos, a natureza e a norma, o dom biológico e a regra”.
Como, então, estimular nossos
próprios dons naturais para a grandeza (sublime)? Longino estabelece a educação
como “espécie de violência reguladora”,
“pelo freio e pelo aguilhão”, como processo necessário
para o Sublime.
Para Longino, a natureza é “autonomos”,
ou seja, dá leis a si mesma. Porém, pode ser que esta norma da natureza não
seja suficiente, e neste caso, a técnica pode agir sobre ela. Desta forma, a
natureza não se entrega ao acaso, mas pode se apresentar no “método”.
O método deve vir do exterior, da
ciência e da prática. A natureza fornece a matéria da produção, o método
estabelece a quantidade e o tempo (kayrós, a “ocasião”). O kayrós
é uma medida, mas não depende do número, da quantidade; ele nasce da
apreciação, do olhar prático e da natureza das coisas. O encontro do dom com a
técnica faz do kayrós a medida do qualitativo.
O
Sublime tem dois critérios: ética e universalidade.
O
critério ético: “Nenhuma coisa cujo
desprezar tenha grandeza é grande”. Não se trata de um desprezo geral, mas
do esforço de alguém que, em condição de aceitar, recusa. Este critério permite
operar a separação entre o essencial e o acessório.
O
critério da universalidade: “É
seguramente e verdadeiramente sublime o que agrada sempre a todos”. Da
discordância nasce algo que é da ordem da inteligência e da razão, que pode se
definir em termos de julgamento (krisis) e assentimento (sygkatáthesis).
O julgamento e o assentimento são operações da razão que levam à ciência.
O Sublime ocorre a partir de duas
fontes da natureza, e das figuras por parte das artes (a figura é a ocasião da
presença). As duas fontes do Sublime que dependem do dom natural são:
·
Uma
vigorosa apoderação dos pensamentos (conceitos);
·
Uma
paixão violenta, que leva para fora de si (paixão).
Longino descreve que é preciso educar a alma em direção à grandeza
(grandeza da natureza: megalophués); o Sublime é o eco da
grandeza na alma (grandeza da alma: megalophrosýne). Desta relação,
infere três conclusões:
·
O
Sublime pode ser aquilo que não se diz, que não se enuncia, mas com que se pode
ter contato;
·
O
pensamento pode determinar o dom natural (pela educação);
·
O
Sublime só pode ser representado por exemplos (figuras, metáforas).
No decorrer de seu tratado, Longino ainda discorre sobre três conceitos,
a saber, amplificação, imitação e aparição:
·
Amplificação (aúxesis):
Os retóricos definem vagamente a aúxesis
como “algo que acrescenta grandeza”. A diferença entre o Sublime e a
amplificação é que o Sublime reside na elevação (qualitativo), e a amplificação
reside no número (quantitativo).
·
Imitação (mímesis):
Longino aceita (e até reivindica) a ideia da inspiração, porém, não a
atribui aos deuses ou musas, mas coloca no âmbito da imitação. Esta, para
Longino, não é o sentimento comum da “reprodução de um objeto ou de um efeito”,
mas a faculdade de eleição e admiração. Assim, a imitação não é uma origem, mas
um meio.
·
Aparição (phantasía):
Toda percepção é aparição, e todo pensamento é visão; pensar é ver. Só se
pode fazer ver se já se viu. A imaginação, para Longino, é a “capacidade de receber do exterior ou de si
mesmo visões, e de estar no ponto de impô-las, na sua ingenuidade e na sua
violência ao olhar de alguém”. Assim, a aparição do Sublime não está na
figura estanque e inerte, mas no exercício de “fazer ver” o que não se vê, pela
linguagem, pela metáfora.
Do capítulo XVI em diante, Longino compara a poesia com outras artes, com
a finalidade de mostrar a superioridade da poesia e da prosa sobre as outras
artes (pintura, música e estatuária).
Podemos concluir, finalizando, que o Sublime de Longino é “violência que desequilibra, um choque”. O choque surpreende o
julgamento e faz-nos sair de nós mesmos, mergulha-nos no êxtase. O Sublime leva sempre a ultrapassar a medida, porém, quando
a desmedida é bem sucedida, deve impor sua norma. O Sublime, então, é o
encontro entre a natureza e o trabalho, a violência e a figura na ocasião.
“O Sublime de Longino é uma estética sem ilusão, mas que conserva a fé e
que persiste em dá-la” (Filomena Hirata).
REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA:
LONGINO. Do Sublime. Tradução de Filomena Hirata; Editora Martins
Fontes, 1ª edição. São Paulo: 1996.
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