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"É necessário saber perder tempo para comprometer-se nas lutas dos povos periféricos e das classes oprimidas. É necessário saber perder tempo em ouvir a voz de tal povo: suas propostas, interpelações, instituições, poetas, acontecimentos... É necessário saber perder tempo, no curto tempo da vida, em descartar os temas secundários, os da moda, superficiais, desnecessários, os que nada têm a ver com a libertação dos oprimidos." - Enrique Dussel

sábado, 30 de março de 2013

A ESTÉTICA EM LONGINO: O TRATADO SOBRE O SUBLIME

POR Almir Fabiano Nicolau de Moraes



Longino, ou pseudo-Longino - posto que seu nome real é desconhecido - , era um professor de retórica ou crítico literário que pode ter vivido entre o século III a.C. e o século I. Esta obra (O Tratado sobre o Sublime) é comumente atribuída a ele, mas há divergências entre os historiadores da filosofia. A divergência se dá pela assinatura do tratado presente no documento original, onde não pode-se distinguir entre “Dionísio Longino” ou a disjunção “Dionísio ou Longino”. Assim, os historiadores da filosofia divergem a respeito da atribuição desta obra, sendo três as hipóteses mais comuns: Dionísio de Halicarnasso (do século de Augusto); Cassio Longino, amigo de Plotino no séc. III d.C; ou um personagem desconhecido chamado Dionísio Longino.
            Levando-se em conta que tal divergência não está resolvida, costuma-se atribuir a autoria do tratado à “pseudo-Longino”, utilizando como possível data o período entre 213 a 273 d.C.
            Longino não entende o Sublime como “estilo”, mas sim como “atitude”, e seu tratado tem como objetivo discutir a essência do Sublime, ou seja, a essência dessa atitude.
            Longino inicia seu tratado a partir da seguinte questão: até que ponto é possível estimular nossos dons naturais? Para tanto, problematiza a relação da natureza com a arte, isto é, com a técnica.
            Na criação há natureza e técnica, e é preciso pensar em seu necessário encontro. Esta relação não pode ser pensada de um modo sucessivo (um após o outro), mas sim em ato. Aqui, a natureza é tida enquanto dom inato ou talento, e a técnica o trabalho. A essência do Sublime está no impulso realizado nas obras, ou seja, “é uma questão de fronteira, de passagem entre o inato e o adquirido, dom e técnica, ‘avatar’ da oposição entre physis e nomos, a natureza e a norma, o dom biológico e a regra”.
            Como, então, estimular nossos próprios dons naturais para a grandeza (sublime)? Longino estabelece a educação como “espécie de violência reguladora”, “pelo freio e pelo aguilhão”, como processo necessário para o Sublime.
            Para Longino, a natureza é “autonomos”, ou seja, dá leis a si mesma. Porém, pode ser que esta norma da natureza não seja suficiente, e neste caso, a técnica pode agir sobre ela. Desta forma, a natureza não se entrega ao acaso, mas pode se apresentar no “método”.
            O método deve vir do exterior, da ciência e da prática. A natureza fornece a matéria da produção, o método estabelece a quantidade e o tempo (kayrós, a “ocasião”). O kayrós é uma medida, mas não depende do número, da quantidade; ele nasce da apreciação, do olhar prático e da natureza das coisas. O encontro do dom com a técnica faz do kayrós a medida do qualitativo.
            O Sublime tem dois critérios: ética e universalidade.
            O critério ético: “Nenhuma coisa cujo desprezar tenha grandeza é grande”. Não se trata de um desprezo geral, mas do esforço de alguém que, em condição de aceitar, recusa. Este critério permite operar a separação entre o essencial e o acessório.
            O critério da universalidade: “É seguramente e verdadeiramente sublime o que agrada sempre a todos”. Da discordância nasce algo que é da ordem da inteligência e da razão, que pode se definir em termos de julgamento (krisis) e assentimento (sygkatáthesis). O julgamento e o assentimento são operações da razão que levam à ciência.
            O Sublime ocorre a partir de duas fontes da natureza, e das figuras por parte das artes (a figura é a ocasião da presença). As duas fontes do Sublime que dependem do dom natural são:
·         Uma vigorosa apoderação dos pensamentos (conceitos);
·         Uma paixão violenta, que leva para fora de si (paixão).
Longino descreve que é preciso educar a alma em direção à grandeza (grandeza da natureza: megalophués); o Sublime é o eco da grandeza na alma (grandeza da alma: megalophrosýne). Desta relação, infere três conclusões:
·         O Sublime pode ser aquilo que não se diz, que não se enuncia, mas com que se pode ter contato;
·         O pensamento pode determinar o dom natural (pela educação);
·         O Sublime só pode ser representado por exemplos (figuras, metáforas).
No decorrer de seu tratado, Longino ainda discorre sobre três conceitos, a saber, amplificação, imitação e aparição:
·         Amplificação (aúxesis):
Os retóricos definem vagamente a aúxesis como “algo que acrescenta grandeza”. A diferença entre o Sublime e a amplificação é que o Sublime reside na elevação (qualitativo), e a amplificação reside no número (quantitativo).
·         Imitação (mímesis):
Longino aceita (e até reivindica) a ideia da inspiração, porém, não a atribui aos deuses ou musas, mas coloca no âmbito da imitação. Esta, para Longino, não é o sentimento comum da “reprodução de um objeto ou de um efeito”, mas a faculdade de eleição e admiração. Assim, a imitação não é uma origem, mas um meio.
·         Aparição (phantasía):
Toda percepção é aparição, e todo pensamento é visão; pensar é ver. Só se pode fazer ver se já se viu. A imaginação, para Longino, é a “capacidade de receber do exterior ou de si mesmo visões, e de estar no ponto de impô-las, na sua ingenuidade e na sua violência ao olhar de alguém”. Assim, a aparição do Sublime não está na figura estanque e inerte, mas no exercício de “fazer ver” o que não se vê, pela linguagem, pela metáfora.

Do capítulo XVI em diante, Longino compara a poesia com outras artes, com a finalidade de mostrar a superioridade da poesia e da prosa sobre as outras artes (pintura, música e estatuária).
Podemos concluir, finalizando, que o Sublime de Longino é “violência que desequilibra, um choque”. O choque surpreende o julgamento e faz-nos sair de nós mesmos, mergulha-nos no êxtase. O Sublime leva sempre a ultrapassar a medida, porém, quando a desmedida é bem sucedida, deve impor sua norma. O Sublime, então, é o encontro entre a natureza e o trabalho, a violência e a figura na ocasião.
“O Sublime de Longino é uma estética sem ilusão, mas que conserva a fé e que persiste em dá-la” (Filomena Hirata).

REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA:
LONGINO. Do Sublime. Tradução de Filomena Hirata; Editora Martins Fontes, 1ª edição. São Paulo: 1996.

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