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"É necessário saber perder tempo para comprometer-se nas lutas dos povos periféricos e das classes oprimidas. É necessário saber perder tempo em ouvir a voz de tal povo: suas propostas, interpelações, instituições, poetas, acontecimentos... É necessário saber perder tempo, no curto tempo da vida, em descartar os temas secundários, os da moda, superficiais, desnecessários, os que nada têm a ver com a libertação dos oprimidos." - Enrique Dussel

sábado, 30 de março de 2013

A LINGUAGEM COMO SEGUNDA METÁFORA HUMANA: “A tez antropomórfica coberta pela Metáfora ou vestida pela Metonímia”


POR Almir Fabiano Nicolau de Moraes

O QUE É A VERDADE, PORTANTO? UM BATALHÃO MÓVEL DE METÁFORAS, METONÍMIAS, ANTROPOMORFISMOS, ENFIM, UMA SOMA DE RELAÇÕES HUMANAS, QUE FORAM ENFATIZADAS POÉTICA E RETORICAMENTE, TRANSPOSTAS, ENFEITADAS, E QUE, APÓS LONGO USO, PARECEM A UM POVO SÓLIDAS, CANÔNICAS E OBRIGATÓRIAS: AS VERDADES SÃO ILUSÕES, DAS QUAIS SE ESQUECEU QUE O SÃO, METÁFORAS QUE SE TORNARAM GASTAS E SEM FORÇA SENSÍVEL, MOEDAS QUE PERDERAM SUA EFÍGIE E AGORA ENTRAM EM CONSIDERAÇÃO COMO METAL, NÃO MAIS COMO MOEDAS.”

[NIETZSCHE, 1873].



A LINGUAGEM COMO SEGUNDA PELE HUMANA:
“A tez antropomórfica coberta pela Metáfora ou vestida pela Metonímia”


O homem é um ser de sentidos. Significante e significado, produtor e produto de uma teia de vínculos sutis que configuram sua existência individual e social.
Este paradoxo estabelecido como axioma antropológico (no sentido de que, ao negá-lo, acaba-se por afirmá-lo) é a condição concreta de mundanidade de todo bicho-homem que toma consciência de si. Este, pela cultura (trabalho e signo) opera-o na produção de sua própria existência, ao passo que também vai sendo pro-duzido pela sociedade em que está inserido. Nesta confluência de significados e significantes, o bicho-homem segue trans-formando o meio em que vive e sendo trans-formado pelo resultado do próprio processo de transformação que estabelece. Não apenas é o instaurador de paradoxos, mas ele próprio é um paradoxo (instaurado).
            O homem se relaciona com o meio em que vive através de objetualizações. Estabelece a realidade percebida como objeto de análise, a começar do seu próprio corpo, processo pelo qual, ao estabelecer a alteridade, de-fine sua identidade. O medo o interpela a nomear o inominado, a fim de produzir sentidos que lhe servirão como uma “casca”, uma “pele” sob a qual estará protegido do desconhecido.
            Assim, o homem criou a palavra para que possa dar nome às coisas, como produto do pensamento. Das palavras constituiu a gramática, que por sua vez se converteu no primeiro degrau da lógica. Dito de outra forma, o indivíduo é constituído na dinâmica da relação entre as palavras e o pensamento:

“[...] O que dizer da linguagem? [...] A palavra é o próprio homem. Somos feitos de palavras. Elas são nossa única realidade ou, pelo menos, o único testemunho de nossa realidade. Não há pensamento sem linguagem, nem tão pouco objeto de conhecimento: a primeira coisa que o homem faz diante de uma realidade é nomeá-la, batizá-la.”

(PAZ, 1982 pp. 35-42)

            É próprio do homem o vestir-se da palavra para aplacar-lhe o frio atravessador do desconhecido. Ao nominar (significar) o objeto, o mesmo passa a ter relação com ele, na dimensão do re-conhecido. No movimento da significação, da nominação, ao dar “entidade” às coisas, o homem vai se produzindo, se construindo, para tomar o conceito do existencialismo, existindo. Desta forma, o homem se cria ao criar a linguagem, é um Outro que se separou do mundo natural, portanto, como criador de si, uma metáfora.
            Na complexidade da linguagem, constitui-se o sujeito. Esta constituição se dá pela incorporação da metáfora à (ou como) sua própria essência. Ciente de sua finitude, surge o medo da não-existência, no sentido de que não se pode significar a morte. Pode-se (e a religião o é como resultado) significar o morrer, mas não há como significar a morte. Se a morte é temida como não-existência, o silêncio também o é, não como a apreendemos, pois não podemos suportar o silêncio absoluto, como não-representável. Pelo contrário,
“[..] o silêncio diz alguma coisa, pois está prenhe de signos.”(Ibdem).


A linguagem é como o mito em sua função metafórica. Busca representar um elemento da realidade por outro. Porém, como o mito, nascem e morrem, junto com os homens. Neste sentido, a história da linguagem é a História do homem. Se as palavras são metáforas, o que é a verdade então, senão uma metáfora cristalizada e fundida como se fosse a própria coisa? Se as palavras morrem, o que há de ser da verdade?
            Nietzsche, no texto “Sobre a verdade e a mentira no sentido extra-moral (1873)” salienta como o intelecto é o meio auxiliar dos mais infelizes, delicados e perecíveis dos seres, para a manutenção da sua existência. A verdade, resultado dele (intelecto), também o é. A VERDADE É O DISFARCE DO HOMEM, MEIO PELO QUAL OS INDIVÍDUOS MAIS FRACOS SE CONSERVAM.
           

            O que está posto, por sua vez, é que o homem não teme o engano, e sim os prejuízos que ele possa lhe causar. Toda construção humana é um engano. O próprio homem, portanto, é um engano. E isso é verdadeiro! A verdade de que a própria verdade é um engano torna-se verdade exatamente por ser um engano instituído como engano verdadeiro. Deixar-se enganar é mover-se na verdade.
            A verdade, como nos disse Nietzsche, é um batalhão móvel de metáforas, metonímias, antropomorfismos, e que, somados, foram instituídos como as coisas mesmas, provavelmente por esquecer-se que se tratavam de metáforas. Nesta cristalização de representações e signos é que a sociedade se move. A sociedade, extensão da vida, é uma metáfora. O que nos resta então, pobres moluscos vagantes pelo deserto árido?
            Resta-nos, como infere o existencialismo sartreano a angústia da liberdade. Liberdade para escolher “qual pele metafórica” vestir...
            A sociedade regula-se por normas, regras, pactos, ritos de passagens e códigos, sinais que “significam” por metáforas, atribuições de sentidos (entes) para a realidade (ente). Podemos então dizer que a Moral é uma grande Metáfora Universalizante.
            O indivíduo, inserido na sociedade, herdeiro de seu passado histórico, ao mesmo tempo que condicionado à cultura (caldeirão efervescente de metáforas), também é produtor dela. Não condicionado determinadamente, mas relativamente, surge, no espaço de se reinventar e ressignificar a possibilidade de atribuir sentidos existenciais (entes) para a realidade (ente). Como sentido existencial é particular, e nunca pode assumir caráter universalizante – portanto ético-, podemos então dizer que a Ética é uma grande Metonímia Instauradora da Singularidade.
            Nossa fuga (e nossa angústia), portanto, está no fato de que, independente de mover-nos nos antropomorfismos inerentes à nossa faculdade intelectiva, podemos decidir como articulá-los: Com ênfase na metáfora (moral) ou na ética (metonímia). Ainda que possam morrer conosco, viverão intensamente enquanto os tecer-mos com os fios de nossa existência.















REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

NIETZSCHE, F. Sobre a verdade e mentira no sentido extramoral. S. Paulo: Abril Cultural/Pensadores, 1978
PAZ, O. O arco e a lira. São Paulo: Nova Fronteira, 1982.

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