POR Almir Fabiano Nicolau de Moraes
“O QUE É A VERDADE, PORTANTO? UM BATALHÃO MÓVEL DE METÁFORAS, METONÍMIAS, ANTROPOMORFISMOS, ENFIM, UMA SOMA DE RELAÇÕES HUMANAS, QUE FORAM ENFATIZADAS POÉTICA E RETORICAMENTE, TRANSPOSTAS, ENFEITADAS, E QUE, APÓS LONGO USO, PARECEM A UM POVO SÓLIDAS, CANÔNICAS E OBRIGATÓRIAS: AS VERDADES SÃO ILUSÕES, DAS QUAIS SE ESQUECEU QUE O SÃO, METÁFORAS QUE SE TORNARAM GASTAS E SEM FORÇA SENSÍVEL, MOEDAS QUE PERDERAM SUA EFÍGIE E AGORA SÓ ENTRAM EM CONSIDERAÇÃO COMO METAL, NÃO MAIS COMO MOEDAS.”
[NIETZSCHE, 1873].
A LINGUAGEM COMO SEGUNDA PELE HUMANA:
“A tez antropomórfica coberta pela Metáfora ou vestida pela Metonímia”
O
homem é um ser de sentidos. Significante e significado, produtor e produto de
uma teia de vínculos sutis que configuram sua existência individual e social.
Este
paradoxo estabelecido como axioma antropológico (no sentido de que, ao negá-lo,
acaba-se por afirmá-lo) é a condição concreta de mundanidade de todo
bicho-homem que toma consciência de si. Este, pela cultura (trabalho e signo)
opera-o na produção de sua própria existência, ao passo que também vai sendo
pro-duzido pela sociedade em que está inserido. Nesta confluência de
significados e significantes, o bicho-homem segue trans-formando o meio em que
vive e sendo trans-formado pelo resultado do próprio processo de transformação
que estabelece. Não apenas é o instaurador de paradoxos, mas ele próprio é um
paradoxo (instaurado).
O homem se relaciona com o meio em
que vive através de objetualizações. Estabelece a realidade percebida como
objeto de análise, a começar do seu próprio corpo, processo pelo qual, ao
estabelecer a alteridade, de-fine sua identidade. O medo o interpela a nomear o
inominado, a fim de produzir sentidos que lhe servirão como uma “casca”, uma
“pele” sob a qual estará protegido do desconhecido.
Assim, o homem criou a palavra para
que possa dar nome às coisas, como produto do pensamento. Das palavras
constituiu a gramática, que por sua vez se converteu no primeiro degrau da
lógica. Dito de outra forma, o indivíduo é constituído na dinâmica da relação
entre as palavras e o pensamento:
“[...] O que dizer da linguagem?
[...] A palavra é o próprio homem. Somos feitos de palavras. Elas são nossa
única realidade ou, pelo menos, o único testemunho de nossa realidade. Não há
pensamento sem linguagem, nem tão pouco objeto de conhecimento: a primeira
coisa que o homem faz diante de uma realidade é nomeá-la, batizá-la.”
(PAZ, 1982
pp. 35-42)
É próprio do homem o vestir-se da
palavra para aplacar-lhe o frio atravessador do desconhecido. Ao nominar (significar)
o objeto, o mesmo passa a ter relação com ele, na dimensão do re-conhecido. No
movimento da significação, da nominação, ao dar “entidade” às coisas, o homem
vai se produzindo, se construindo, para tomar o conceito do existencialismo, existindo.
Desta forma, o homem se cria ao criar a linguagem, é um Outro que
se separou do mundo natural, portanto, como criador de si, uma metáfora.
Na complexidade da linguagem,
constitui-se o sujeito. Esta constituição se dá pela incorporação da metáfora à
(ou como) sua própria essência. Ciente de sua finitude, surge o medo da
não-existência, no sentido de que não se pode significar a morte. Pode-se (e a
religião o é como resultado) significar o morrer, mas não há como significar a
morte. Se a morte é temida como não-existência, o silêncio também o é, não como
a apreendemos, pois não podemos suportar o silêncio absoluto, como
não-representável. Pelo contrário,
“[..] o silêncio diz alguma coisa,
pois está prenhe de signos.”(Ibdem).
A
linguagem é como o mito em sua função metafórica. Busca representar um elemento
da realidade por outro. Porém, como o mito, nascem e morrem, junto com os
homens. Neste sentido, a história da linguagem é a História do homem. Se as
palavras são metáforas, o que é a verdade então, senão uma metáfora
cristalizada e fundida como se fosse a própria coisa? Se as palavras morrem, o
que há de ser da verdade?
Nietzsche, no texto “Sobre a verdade
e a mentira no sentido extra-moral (1873)” salienta como o intelecto é o meio
auxiliar dos mais infelizes, delicados e perecíveis dos seres, para a
manutenção da sua existência. A verdade, resultado dele (intelecto), também o é.
A VERDADE É O DISFARCE DO
HOMEM, MEIO PELO QUAL OS INDIVÍDUOS MAIS FRACOS SE CONSERVAM.
O que está posto, por sua vez, é que
o homem não teme o engano, e sim os prejuízos que ele possa lhe causar. Toda
construção humana é um engano. O próprio homem, portanto, é um engano. E isso é
verdadeiro! A verdade de que a própria verdade é um engano torna-se verdade
exatamente por ser um engano instituído como engano verdadeiro. Deixar-se
enganar é mover-se na verdade.
A verdade, como nos disse Nietzsche,
é um batalhão móvel de metáforas, metonímias, antropomorfismos, e que, somados,
foram instituídos como as coisas mesmas, provavelmente por esquecer-se que se
tratavam de metáforas. Nesta cristalização de representações e signos é que a
sociedade se move. A sociedade, extensão da vida, é uma metáfora. O que nos
resta então, pobres moluscos vagantes pelo deserto árido?
Resta-nos, como infere o
existencialismo sartreano a angústia da liberdade. Liberdade para escolher
“qual pele metafórica” vestir...
A sociedade regula-se por normas,
regras, pactos, ritos de passagens e códigos, sinais que “significam” por
metáforas, atribuições de sentidos (entes) para a realidade (ente). Podemos
então dizer que a Moral é uma grande Metáfora Universalizante.
O indivíduo, inserido na sociedade,
herdeiro de seu passado histórico, ao mesmo tempo que condicionado à cultura
(caldeirão efervescente de metáforas), também é produtor dela. Não condicionado
determinadamente, mas relativamente, surge, no espaço de se reinventar e
ressignificar a possibilidade de atribuir sentidos existenciais (entes) para a
realidade (ente). Como sentido existencial é particular, e nunca pode assumir
caráter universalizante – portanto ético-, podemos então dizer que a Ética é
uma grande Metonímia Instauradora da Singularidade.
Nossa fuga (e nossa angústia),
portanto, está no fato de que, independente de mover-nos nos antropomorfismos
inerentes à nossa faculdade intelectiva, podemos decidir como articulá-los: Com
ênfase na metáfora (moral) ou na ética (metonímia). Ainda que possam morrer
conosco, viverão intensamente enquanto os tecer-mos com os fios de nossa
existência.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
NIETZSCHE, F. Sobre a verdade
e mentira no sentido extramoral. S. Paulo: Abril Cultural/Pensadores, 1978
PAZ, O. O arco e a lira. São Paulo: Nova
Fronteira, 1982.
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