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"É necessário saber perder tempo para comprometer-se nas lutas dos povos periféricos e das classes oprimidas. É necessário saber perder tempo em ouvir a voz de tal povo: suas propostas, interpelações, instituições, poetas, acontecimentos... É necessário saber perder tempo, no curto tempo da vida, em descartar os temas secundários, os da moda, superficiais, desnecessários, os que nada têm a ver com a libertação dos oprimidos." - Enrique Dussel

sábado, 30 de março de 2013

O HUMANISMO NO EXISTENCIALISMO: “A noção de sujeito nas filosofias da existência”


POR:
ALMIR FABIANO NICOLAU DE MORAES
ANDERSON ZEM
DONIZETI EXPEDITO SCHIAVINATO
JULIO CESAR FRESCHI





Introdução – A Emergência do Movimento

                O importante não é aquilo que fazem de nós,
mas o que nós mesmos fazemos do
que os outros fizeram de nós
SARTRE

                O século XX desmentiu as promessas, abalou as convicções e mostrou o vazio de todos os sistemas filosóficos do século XIX. A confiança no poder da razão, o entusiasmo com progresso tecnológico, as vantagens da expansão industrial, a valorização da pátria e os sentimentos nacionais, os acenos esperançosos do socialismo, enfim tudo o que foi projetado no século XIX se converteu em grandes incertezas e preocupações no controvertido século XX. As duas grandes guerras fizeram com que as luzes acesas pelo Iluminismo se tornassem trevas. A Revolução Russa alavancou a ascensão do socialismo em várias partes do mundo e, quase no fim do século, assistimos ao colapso da União Soviética.
            A mesma tecnologia que trouxe avanços antes restritos a ficção, trouxe também a corrida armamentista, o medo da destruição atômica, a degradação ambiental e fez com que as desigualdades sociais se tornassem mais gritantes.
            Do idealismo ao voluntarismo, do positivismo ao espiritualismo e todos os valores por eles exaltados foram colocados em xeque pelas ambigüidades do século XX, fazendo sentir a urgência de uma renovação substancial da filosofia.
            Intérprete desta renovação urgente e, ao mesmo tempo, testemunha da situação de angústia na qual os horrores da guerra lançaram a humanidade foi o existencialismo. O existencialismo surge e se desenvolve nesse ambiente traumático, não se confinando a discussões acadêmicas, mas tomando as ruas e se constituindo em um estilo de vida que protestava contra os valores morais da sociedade vigente.
















Parte I – As Definições sobre o Movimento
               
Um amor, uma carreira, uma revolução:
outras tantas coisas que se começam
sem saber como acabarão
SARTRE

            A palavra existencialismo pertence aquela categoria de palavras, que ganhando em extensão, perde em compreensão.
Poderia se dizer que o existencialismo é uma corrente de pensamento que concebe a especulação filosófica como análise do cotidiano da experiência humana em todos os seus aspectos teóricos e práticos, individuais e sociais, instintivos e intencionais, mas sobretudo os aspectos irracionais da existência humana.
Mas o existencialismo é mais que uma doutrina, é um movimento que centra sua reflexão no sujeito concreto e singular em oposição ao sujeito abstrato e universal recorrente na filosofia tradicional. É pelo homem em sua singularidade que o existencialismo se interessa.
Porém antes de continuarmos a tentar definir o existencialismo, cabe perguntar o que é existir? Existir implica a relação do homem consigo, com os outros e com as coisas. Existir é relacionar-se e essas relações são múltiplas, concretas e dinâmicas, determinadas e indeterminadas. Existência é, portanto um poder-ser, que, por conseguinte é uma incerteza, um risco, uma escolha, um lançar-se ao desconhecido.
O existencialismo busca discernir a não identificação entre a racionalidade e a realidade, tendo como ponto de partida o homem e utilizando como método a fenomenologia.

















Parte II - Os Precursores do Movimento

A vida é o pânico num teatro sem chamas
SARTRE

                As filosofias da existência, outra designação para o existencialismo, surgiram propriamente no século XX, mas sofreram grande influência de alguns filósofos anteriores, conhecidos por essa contribuição como pré-existencialistas.
            Nas raízes mais remotas do existencialismo encontra-se o pensamento de Schopenhauer, Kierkegaard e em suas raízes mais próximas o pensamento de Husserl.
            Os filósofos pré-existencialistas mais remotos contestaram ao hegelianismo de modo radical, tendo como seu principal expoente o filósofo alemão Schopenhauer.
                       
                SCHOPENHAUER

Arthur Schopenhauer (1788-1860) dizia que Hegel era um verdadeiro charlatão ao construir sua filosofia segundo os interesses do Estado prussiano, chegando a considerá-lo como um mercenário acadêmico.
Na sua principal obra O Mundo como Vontade e Representação, Schopenhauer sustenta que, como o conhecimento é uma relação na qual o objeto é percebido pelo sujeito, o homem não conhece as coisas como são, apenas como elas podem ser percebidas e interpretadas, se opondo ao conhecimento absoluto preconizado por Hegel. O mundo nada seria senão representação e essa representação seria uma ilusão, pois o objeto conhecido é condicionado pelo sujeito. Entretanto através do insight intuitivo, algo parecido como uma iluminação, o homem poderia chegar a essência das coisas, e esse processo só seria possível pela arte, onde o sujeito ao desprender-se de sua individualidade fundir-se-ia no objeto, numa entrega pura e plena.
Sua filosofia, contudo, é marcada por uma visão pessimista do homem e de sua existência. Para ele, o homem é essencialmente vontade, o que o levaria a desejar sempre mais, sendo marcado ora pela ansiedade, ora pelo tédio, refém de uma insatisfação constante. A essência do homem e do mundo é essa vontade insaciável que originaria, segundo ele, as lutas, as dores e os sofrimentos entre os homens.
A história é uma história de lutas, onde a infelicidade é a regra e a felicidade é a exceção. Para ele a concepção racionalista da história, elaborada por Hegel, que possui um sentido e progride em direção a uma maior liberdade era apenas uma interpretação sem fundamento e sem conexão com a realidade.




KIERKEGAARD

Sören Kierkegaard (1813-1855) também se insurgiu contra a supremacia da razão, tal como Hegel a propunha, pois ela não levava em consideração a subjetividade humana. Kierkegaard afirmava que a existência humana possuía três dimensões:
·         A dimensão estética – na qual o homem busca apenas o prazer;
·         A dimensão ética – na qual se instaura a contradição entre o dever e o prazer;
·         A dimensão meta-ética ou religiosa – a mais elevada onde o homem supera as contradições através do salto da fé.
Kierkegaard também concebia a existência como relação e procurou analisar problemas oriundos dessas relações consigo, com o mundo e com Deus:
·         A relação do homem com o mundo é marcada pela angústia. A angústia é entendida como o sentimento profundo de perceber a instabilidade de viver num mundo aberto as possibilidades, sem garantia nenhuma de que nossas expectativas irão ser realizadas;
·         A relação do homem consigo mesmo é marcada pela inquietação e pelo desespero. Isso ocorreria por duas razões principais – ou porque o homem não está satisfeito com as possibilidades que realizou ou porque não conseguiu realizar essas mesmas possibilidades;
·         A relação do homem com Deus é marcada pelo paradoxo de se ter de abandonar a razão para poder compreender pela fé.

HUSSERL

Edmund Husserl (1859-1938) formulou um método de investigação filosófica conhecido como fenomenologia.
Com o termo fenomenologia não quer referir-se nem ao estudo do fenômeno entendido como síntese a priori, da qual fala Kant, nem ao itinerário da consciência natural para o saber absoluto, do qual fala Hegel. A fenomenologia quer estudar o objeto como se manifesta em sua realidade rigorosa, absolutamente pura, livre de qualquer preconceito.
O método fenomenológico consiste de duas fases, uma negativa outra positiva. A fase negativa, chamada de redução fenomenológica, é aquela que parte do pressuposto de que para se conhecer o objeto é preciso aproximar-se dele com a consciência pura, livre de pensar dele qualquer coisa que possa ter sido dito pela história, ciência, filosofia, literatura, religião e até mesmos pela consciência natural (isto é, pelo bom senso). A redução fenomenológica nada tem a ver com a dúvida cartesiana, esta se aproxima do objeto colocando tudo o que já foi dito dele em suspeição, ao contrário, a redução fenomenologia se aproxima do objeto colocando, não em suspeição, mas em suspensão o que já foi dito acerca dele.
A fase positiva é aquela em que o olhar da inteligência se dirige à própria coisa, penetra-a e faz com que se manifeste em toda a sua realidade.
Husserl elabora o conceito de intencionalidade, afirmando que esta é a principal característica da consciência – toda consciência é consciência de alguma coisa – insurgindo a psicologia clássica que reduz a consciência a mera passividade, sem liberdade e desprovida da atividade de dar sentido às coisas.

Parte III – Os Continuadores do Movimento

“O que é terrível não é sofrer nem
 morrer, mas morrer em vão”
SARTRE

HEIDEGGER

O maior representante do movimento existencialista é Martin Heidegger (1889-1976). Procurou reconstruir a metafísica em novas bases, mediante a aplicação do método fenomenológico ao estudo do ser.
Rompendo com a tendência dominante da filosofia moderna que, desde Descartes estava voltada para a teoria do conhecimento, Heidegger retomou a questão da ontologia, a investigação do ser, pois para ele o problema central da filosofia é o ser, a existência de tudo. Contudo o ser nunca se manifesta diretamente, imediatamente, em si mesmo, mas sempre como o ser deste ou aquele ente.
Por isso, para chegarmos a determinar a natureza do ser, devemos partir do estudo do ser de algum ente particular. Ente é tudo aquilo de que falamos, tudo aquilo a que, de um ou de outro modo, nós nos referimos; é também o que nós somos e como o somos. Agora de qual ente devemos extrair o conhecimento do ser? Segundo Heidegger o ente que detém a primazia é o homem, pois não é ente qualquer porque tem relação singular com o ser.
Na sua pesquisa antropológica, Heidegger descobriu no homem alguns traços fundamentais de seu ser, traços aos quais dá a designação de existenciais.
·         O primeiro existencial é o ser-no-mundo – o homem é lançado ao mundo, sem saber por quê. Ao despertar para a consciência da vida, já está aí, sem ter pedido para nascer e sem saber como viver. O sujeito aqui se exprime com o cuidado com as coisas.
·         O segundo existencial é o ser-com-os-outros – se não há sujeito sem mundo (ser-no-mundo), também não há sujeito isolado dos outros. O sujeito aqui se exprime por cuidar dos outros de duas formas: na primeira, procura subtrair os outros de seus cuidados; na segunda, procura-se ajudá-los a conquistar a liberdade de assumir seus próprios cuidados. No primeiro caso, temos um simples estar junto, já no segundo temos um coexistir.
·         O terceiro existencial é o ser-para-a-morte – é aqui que os homens se separam, uns tendendo para uma existência inautêntica e outros para uma existência autêntica. Leva vida autêntica quem tem coragem diante da angústia, que torna-se si mesmo e não o que os outros são, não se deixa absorver com-o-outro e para-o-outro, e é só a morte que pode tornar o homem completo.

SARTRE

Jean-Paul Sartre (1905-1980) chegou a conclusões diferentes e até mesmo opostas a Heidegger no que se refere ao ser. Para Heidegger, o ser é o valor e a positividade de todo ente e o homem por sua vez é a porta de acesso ao ser.
Para Sartre, o ser, que chama de ser-em-si, para distingui-lo da consciência, que chama de ser-para-si, é massa inerte, informe, inchada. Falando do ser, Sartre muitas vezes diz que é alguma coisa em demasia e isso por dois motivos: o primeiro é que a consciência jamais consegue esgotar toda a sua realidade; a segunda é que o ser-em-si dá a impressão de ter mais do que o necessário.
Outra característica do ser é a contingência. O ser não tem nenhuma necessidade. Existir é simplesmente ser; os existentes aparecem, deixam-se encontrar, mas não se deixam deduzir.
Mas a característica do ser que Sartre mais insiste é o absurdo, no absurdo está a chave da existência de cada coisa. Tudo o que existe é destituído de explicação.
Para Sartre o desejo é a deficiência do ser, pois o homem sempre está em busca de se completar, está sempre em falta, nunca é, sempre está a projetar-se.
Para Sartre o que mais distingue o homem dos outros seres é a liberdade. Como constitutivo último, a liberdade não tem limites, estamos condenados a ser livres, isto significa que não se pode encontrar para a liberdade nenhum limite que não seja ela mesma; ou, se preferir, que não temos a liberdade de deixarmos de sermos livres. A liberdade também não está vinculada a nenhuma lei moral, a sua única norma é ela mesma.
O homem é profundamente desejo de ser Deus. Deus não é senão este desejo mal sucedido. O em si do mundo e o para si da consciência se encontram em estado de perpétua ruptura com relação à síntese ideal que jamais existiu, mas que é sempre indicada, embora sempre impossível. Para Sartre a característica tipicamente humana é o nada: um espaço aberto, isso não significa e a totalidade do homem que, por exemplo, inclui seu corpo, seja nada. Esse nada é nossa característica típica, singular, aquilo que faz do homem um ente não estático, não compacto, acessível as possibilidades de mudança e é no exercício da liberdade, em situações concretas, que move o homem, que gera a incerteza, que leva a produção de sentidos, que impulsiona a ultrapassagem de limites.

MARCEL

Gabriel Marcel (1887-1973) tentou criar uma metafísica existencialista. Para ele a metafísica não era uma curiosidade transcendente, antes era apetite do ser. Marcel adverte contra o erro bastante difundido ao se considerar a pesquisa metafísica uma especulação vazia; para ele metafísica é a pesquisa do que é, do ser. Esta pesquisa não pode ser posta de lado, porque o homem tem fome do ser.
Marcel também tentou estabelecer alguns traços diferenciativos entre a pesquisa cientifica e a pesquisa filosofica. Segundo ele, uma das diferenças mais marcantes é a de que a pesquisa cientifica pode ser feita por um só em nome de todos, ao passo que a segunda deve ser feita por cada um.
Marcel também ilustra a diferença entre filosofia e ciência em termos de problema e mistério. “Parece de fato que entre problema e mistério existe diferença essencial: problema é algo que encontro todo inteiro de mim e que posso analisar e reduzir; mistério é algo em que eu mesmo estou empenhado e que, por isso, só pode ser pensado como esfera na qual a distinção do em mim e do diante de mim perde seu significado e o seu valor inicial. Enquanto um problema autêntico se justifica segundo certa técnica apropriada, em função da qual se define, um mistério transcende por definição toda técnica imaginável”.
Outra distinção apontada por Marcel implica em dizer que a reflexão cientifica é fragmentária e separatista, enquanto a reflexão filosófica é gregária e unificadora.
Para Marcel o homem é fundamentalmente ser encarnado, e por encarnado quer dizer aparecer em um corpo, sem poder identificar-se com ele e sem poder distinguir-se dele. Individualidade para me distinguir dos outros seres e participação para me relacionar com os outros seres, eis que a encarnação faz.
Ainda, segundo Marcel, o homem é também ser itinerante, isto é, um ser peregrino e não errante, pois movido de esperança.
A essa transcendência não se chega por meio de argumentações ou processos lógicos, mas pela intuição. O homem então não está preso a camisa de força do desespero, nem voltado para a morte, como queriam Heidegger e Sartre.








REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

PENHA, JOÃO DA. O que é Existencialismo. São Paulo: Editora Brasiliense, 2004.
MARÍAS, JULÍAN. História da Filosofia. São Paulo: Martins Fontes, 2004.
GEISLER, NORMAN. Enciclopédia Apologética. São Paulo: Editora Vida, 2001.
COTRIM, GILBERTO. Fundamentos da Filosofia. São Paulo: Saraiva, 2006.
REALE, GIOVANNI; ANTISERI, DARIO. História da Filosofia: De Nietzsche à Escola de Frankfurt. São Paulo: Paulus, 2005.

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