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"É necessário saber perder tempo para comprometer-se nas lutas dos povos periféricos e das classes oprimidas. É necessário saber perder tempo em ouvir a voz de tal povo: suas propostas, interpelações, instituições, poetas, acontecimentos... É necessário saber perder tempo, no curto tempo da vida, em descartar os temas secundários, os da moda, superficiais, desnecessários, os que nada têm a ver com a libertação dos oprimidos." - Enrique Dussel

sábado, 30 de março de 2013

O CONCEITO DE FELICIDADE EM SPINOZA: SEMINÁRIOS DE FILOSOFIA MODERNA

POR Almir Fabiano Nicolau de Moraes


I – BREVE BIOGRAFIA DE ESPINOZA:

                Baruch d’Espiñoza nasceu em Amsterdam em 1632, de família judaica espanhola forçada a se “converter” ao cristianismo para não sofrer as perseguições da Inquisição em Portugal, mas que mantinha secreta sua fidelidade ao judaísmo. Tendo refugiado-se na Holanda, Espinoza estudou na comunidade judaica de Amsterdam, onde aprendeu o hebraico e estudou a fundo a Bíblia e o Talmude. Em 1652 vai à escola de Francisco Van Enden (um douto de formação católica), onde aprende o latim e as ciências, abrindo-se-lhe o mundo dos clássicos, renascentistas e dos filósofos modernos.
            Em 1656 Espinoza é excomungado e banido da Sinagoga, sendo seus amigos e familiares judeus impedidos de manter contato com ele. Após a morte de seu pai, a irmã contestou-lhe o direito à herança paterna, sendo que, ao recorrer juridicamente e ganhar o processo, Espinoza recusa tudo, tendo somente a intenção de lutar apenas pela defesa de seu direito enquanto tal e não pelos benefícios que dele derivariam.
            Após ter sido excomungado, Espinoza refugiou-se em uma aldeia nas proximidades de Amsterdam, onde escreve uma apologia em defesa de suas posições. Em seguida, foi par Rijnsburg, e daí para Voorburg, sempre em quartos alugados. Espinoza mantinha-se com os proventos que ganhava como polidor de lentes óticas, ofício que deveria ter aprendido enquanto jovem por ocasião de sua formação rabínica. Tais proventos bastavam para cobrir grande parte de suas necessidades, devido ao nível modesto de vida que mantinha. Amigos chegaram a oferecer-lhe grandes doações, mas ele as recusou, ou então, como no caso de uma renda oferecida por S. de Vries, aceitou reduzindo drasticamente seu valor, com base no pouco que necessitava para a sua vida frugal.
            Em 1673 foi-lhe oferecida uma cátedra universitária em Heidelberg, mas ele a recusou, temendo que pudesse limitar sua liberdade de pensamento. Morreu em 1677, de tuberculose, com 44 anos de idade.

II – OS CONCEITOS DE SUBSTÂNCIA, ATRIBUTO E MODO EM ESPINOZA:

            A concepção clássica de substância é atrelada fundamentalmente à concepção de ser (metafísica), ou seja, para Aristóteles, a pergunta “o que é o ser?” equivale à pergunta “o que é a substância?”. Substância, para Aristóteles, significa “aquilo que não existe em outro e não se predica de outro”, sendo que, desta forma, há uma multiplicidade de substâncias, ordenadas hierarquicamente.
            Espinoza radicaliza o conceito de substância, ao definí-lo como “aquilo que existe em si, e existe por si mesmo”, ou seja, uma vez que todas as coisas existentes ou existem em si, ou existem em outro, não pode se conceber nenhuma substância além de Deus. Tudo o que existe, existe em Deus, e nada pode existir nem ser concebido sem Deus, ou seja, Deus, como realidade suprema, é a Substância de onde toda a existência deriva.
            Só existe uma única substância, que é Deus, causa sui (autofundante), que é “em si causa e razão de si mesma”. Essa substância-Deus é livre, no sentido de que existe e age por necessidade de sua natureza, ou seja, é eterna porque sua essência envolve necessariamente sua existência.  Se Deus é a única substância da qual todas as outras coisas derivam sua existência, ele é necessário. A res cogitans e a res extensa, que em Descartes são substâncias distintas, em Espinoza não passam de atributos da substância.
            O Deus de Espinoza não é um “Deus criador”, mas um “Deus que produz”, no sentido de que é necessidade absoluta, ou seja, causa imanente e inseparável das coisas que dele procedem. Deus é necessidade absoluta de ser, donde procedem necessária e imtemporalmente (eternamente) os infinitos atributos e infinitos modos que constituem o mundo. As coisas derivam necessariamente da essência de Deus.
            Deus, que é substância infinita, manifesta e exprime sua própria essência em infinitas maneiras, que são os atributos. Deus tem infinitos atributos, mas o intelecto conhece apenas dois: o pensamento e a extensão. Os modos são as especificações particulares dos atributos, como por exemplo o “corpo” é um modo do atributo “extensão”.  Assim, para Espinoza, Deus é a “substância”, e o mundo é dado pelos “modos”. Os modos não existem sem a substância, portanto, tudo é necessariamente determinado pela natureza de Deus, não existindo nada contingente. O mundo é consequência necessária de Deus. Deus é natura naturans e o mundo é natura naturata; natura naturans é a causa, ao passo que natura naturata é o efeito dessa causa, que, porém, não está fora da causa, mas mantem a causa dentro de si.

III – A FELICIDADE NA ÉTICA DE ESPINOZA:

            Na filosofia de Espinoza, a substância (que é Deus) não constitui a forma do homem, sendo o homem apenas um modo dos atributos (extensão e pensamento) da substância, de onde decorre sua existência necessária. O corpo é um modo do atributo “extensão”, e a idéia é um modo do atributo “pensamento”. Esta afirmação dogmática de Espinoza, porém, não remete a um mero determinismo, uma vez que os “modos” não são uma espécie de “estado transitório” de Deus, mas um ente capaz de independência. Podemos tomar como exemplo uma rosa vermelha: A vermelhidão é um modo de Deus, mas atribuímos a vermelhidão á rosa, e não à Deus, da mesma forma que não compreendemos a rosa como propriedade de Deus, mas a vermelhidão como propriedade da rosa.
            Para Espinoza, liberdade tem a ver com ausência de constrangimento. Existe, em cada um dos modos, uma tendência à permanência, chamada Conatus. Essa tendência é a força dos modos em permanecer em seu ser, ou seja, de resistir a danos, às intempéries da natureza, de se protegerem quando sentirem-se ameaçados, etc. Quanto mais conatus tem uma coisa, mais ela se torna independente, ou seja, mais ela é “em si mesma”. Decorre que não existe modo algum isento de forças que o constranjam, isto é, forças contrárias à permanência em seu próprio ser, donde conclui-se portanto que somente a substância é livre. Estas forças constrangedoras são as afecções (ou paixões).
            No ser humano, todo esforço do corpo é também um esforço da mente. O esforço de permanência (conatus) circunscrito na esfera mental, ou seja, na idéia, chama-se vontade, ao passo que o esforço de permanência circunscrito no corpo chama-se apetite. A junção de ambos, ou seja, a consciência do apetite chama-se desejo. O desejo é o apetite de que se tem consciência. Portanto, é evidente que não nos esforçamos em fazer uma coisa que não queremos, não apetecemos e nem desejamos qualquer coisa por a considerarmos boa, mas ao contrário, julgamos alguma coisa boa porque a desejamos e tendemos para ela.
            Na medida em que o ser humano aumenta seu conatus, mais similar à Deus se torna. A natureza humana está sempre inclinada ao engano, pelo seu conhecimento limitado do mundo. Enganamo-nos com a ideia da liberdade pelo fato de não conhecermos as causas de nossas ações.
            Nossas ideias são modos do pensamento de Deus, e nosso corpo é um modo da extensão de Deus. Dessa forma, todas as nossas ideias existem em Deus, como modificações de seu pensamento, ou seja, participamos do intelecto divino (modo infinito do atributo infinito de pensamento). Assim, se tanto o corpo quanto a ideia correspondem a Deus, não há uma separação entre eles, mas um paralelismo perfeito, ou seja, são perspectivas distintas de um mesmo ser.
            A opinião e o conhecimento racional são inadequados, pois tendem a perceber as coisas como contingências. Dessa forma, o conhecimento adequado é o intuitivo, que concebe o mundo sob o aspecto da eternidade (sub specie aeternitatis), ou seja, como participante da substância divina. Assim a natureza humana vive um dilema: A razão inclina-se ao eterno enquanto que as necessidades do mundo nos impulsionam para o temporal.
            Como todos os modos são necessidades da substância, não há como inferir juízo de valor sobre eles, restando apenas o crivo da adequação ou não de certos modos. Assim, por não ser livre, o homem não pode ser culpado de nada, em sua condição de necessidade, mas isso não significa que não seja responsável por seus atos. Adequado é tudo o que potencializa o agir, o agir da permanência (conatus).
            As emoções são as modificações do corpo, causadas pelas afecções, pelas quais a potência de agir desse corpo é aumentada ou diminuída, favorecendo ou entravando, assim como as ideias dessas modificações. Assim, a emoção não envolve uma relação entre corpo e alma, mas simplesmente uma condição corporal, ao mesmo tempo, a ideia dessa condição. É aquilo que ocorre dentro de nós quando nosso conatus aumenta ou diminui. Quando as afecções aumentam nosso conatus sentimos alegria, quando diminuem nosso conatus sentimos dor.
            Podemos nos assemelhar cada vez mais a Deus se nos ascendermos em nossas ideias, substituindo nossas percepções confusas por ideias adequadas (sub specie aeternitatis). Cada ideia na mente corresponde a uma modificação no corpo, sendo que quanto mais adequada é a ideia, mais a causa é interna ao sujeito (potência de agir, conatus). Assim, aquele que faz uso adequado da razão esforça-se por um aumento de sua potência, de modo a transformar a paixão em ação e tornar-se mais livre. Essa aproximação da liberdade, para Espinoza, corresponde à felicidade.
            Potência é sinônimo de perfeição, sendo que a alegria é uma afecção que nos impulsiona para a perfeição superior, ao passo que a tristeza é uma afecção que nos arrasta para o inferior.  Assim, na medida em que buscamos a satisfação de nossos desejos, deparamo-nos com situações de alegria – se estes são satisfeitos – ou situações de insatisfação e tristeza, caso contrário.  Se mente e corpo são paralelos, então a potência de agir facilita a potência de pensar, e vice e versa. Uma dor física diminui nossa capacidade de concentração, por exemplo.
            A diminuição da potência física que implica necessariamente na diminuição da potencia da mente é denominado por Espinoza de escravidão, passividade. Para nos libertar da afecção escravizadora, devemos substituir as afecções que diminuem nossa potência por aquelas que aumentam nossa potência de pensar.

IV – REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

REALE, G; ANTISSERI, D. História da Filosofia. Ed. Paulus. São Paulo: 2005.

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