I – BREVE BIOGRAFIA DE
ESPINOZA:
Baruch d’Espiñoza nasceu em Amsterdam em 1632, de família
judaica espanhola forçada a se “converter” ao cristianismo para não sofrer as
perseguições da Inquisição em Portugal, mas que mantinha secreta sua fidelidade
ao judaísmo. Tendo refugiado-se na Holanda, Espinoza estudou na comunidade
judaica de Amsterdam, onde aprendeu o hebraico e estudou a fundo a Bíblia e o
Talmude. Em 1652 vai à escola de Francisco Van Enden (um douto de formação
católica), onde aprende o latim e as ciências, abrindo-se-lhe o mundo dos
clássicos, renascentistas e dos filósofos modernos.
Em
1656 Espinoza é excomungado e banido da Sinagoga, sendo seus amigos e
familiares judeus impedidos de manter contato com ele. Após a morte de seu pai,
a irmã contestou-lhe o direito à herança paterna, sendo que, ao recorrer
juridicamente e ganhar o processo, Espinoza recusa tudo, tendo somente a
intenção de lutar apenas pela defesa de seu direito enquanto tal e não pelos
benefícios que dele derivariam.
Após
ter sido excomungado, Espinoza refugiou-se em uma aldeia nas proximidades de
Amsterdam, onde escreve uma apologia em defesa de suas posições. Em seguida,
foi par Rijnsburg, e daí para Voorburg, sempre em quartos alugados. Espinoza
mantinha-se com os proventos que ganhava como polidor de lentes óticas, ofício que
deveria ter aprendido enquanto jovem por ocasião de sua formação rabínica. Tais
proventos bastavam para cobrir grande parte de suas necessidades, devido ao
nível modesto de vida que mantinha. Amigos chegaram a oferecer-lhe grandes
doações, mas ele as recusou, ou então, como no caso de uma renda oferecida por
S. de Vries, aceitou reduzindo drasticamente seu valor, com base no pouco que
necessitava para a sua vida frugal.
Em
1673 foi-lhe oferecida uma cátedra universitária em Heidelberg, mas ele a
recusou, temendo que pudesse limitar sua liberdade de pensamento. Morreu em
1677, de tuberculose, com 44 anos de idade.
II – OS CONCEITOS DE
SUBSTÂNCIA, ATRIBUTO E MODO EM ESPINOZA:
A
concepção clássica de substância é atrelada fundamentalmente à concepção de ser
(metafísica), ou seja, para Aristóteles, a pergunta “o que é o ser?” equivale à
pergunta “o que é a substância?”. Substância, para Aristóteles, significa
“aquilo que não existe em outro e não se predica de outro”, sendo que, desta
forma, há uma multiplicidade de substâncias, ordenadas hierarquicamente.
Espinoza
radicaliza o conceito de substância, ao definí-lo como “aquilo que existe em
si, e existe por si mesmo”, ou seja, uma vez que todas as coisas existentes ou
existem em si, ou existem em outro, não pode se conceber nenhuma substância
além de Deus. Tudo o que existe, existe em Deus, e nada pode existir nem ser
concebido sem Deus, ou seja, Deus, como realidade suprema, é a Substância de
onde toda a existência deriva.
Só
existe uma única substância, que é Deus, causa sui (autofundante), que é “em
si causa e razão de si mesma”. Essa substância-Deus é livre, no sentido de que
existe e age por necessidade de sua natureza, ou seja, é eterna porque sua
essência envolve necessariamente sua existência. Se Deus é a única substância da qual todas as
outras coisas derivam sua existência, ele é necessário. A res cogitans e a res
extensa, que em Descartes são substâncias distintas, em Espinoza não
passam de atributos da substância.
O
Deus de Espinoza não é um “Deus criador”, mas um “Deus que produz”, no sentido
de que é necessidade absoluta, ou seja, causa imanente e inseparável das coisas
que dele procedem. Deus é necessidade absoluta de ser, donde procedem
necessária e imtemporalmente (eternamente) os infinitos atributos e infinitos
modos que constituem o mundo. As coisas derivam necessariamente da essência de
Deus.
Deus,
que é substância infinita, manifesta e exprime sua própria essência em
infinitas maneiras, que são os atributos.
Deus tem infinitos atributos, mas o intelecto conhece apenas dois: o pensamento
e a extensão. Os modos são as
especificações particulares dos atributos, como por exemplo o “corpo” é um modo
do atributo “extensão”. Assim, para
Espinoza, Deus é a “substância”, e o mundo é dado pelos “modos”. Os modos não
existem sem a substância, portanto, tudo é necessariamente determinado pela
natureza de Deus, não existindo nada contingente. O mundo é consequência
necessária de Deus. Deus é natura naturans e o mundo é natura
naturata; natura naturans é a causa, ao passo que natura naturata é o
efeito dessa causa, que, porém, não está fora da causa, mas mantem a causa
dentro de si.
III – A FELICIDADE NA
ÉTICA DE ESPINOZA:
Na filosofia de Espinoza, a
substância (que é Deus) não constitui a forma do homem, sendo o homem apenas um
modo dos atributos (extensão e pensamento) da substância, de onde decorre sua
existência necessária. O corpo é um modo do atributo “extensão”, e a idéia é um
modo do atributo “pensamento”. Esta afirmação dogmática de Espinoza, porém, não
remete a um mero determinismo, uma vez que os “modos” não são uma espécie de
“estado transitório” de Deus, mas um ente capaz de independência. Podemos tomar
como exemplo uma rosa vermelha: A vermelhidão é um modo de Deus, mas atribuímos
a vermelhidão á rosa, e não à Deus, da mesma forma que não compreendemos a rosa
como propriedade de Deus, mas a vermelhidão como propriedade da rosa.
Para
Espinoza, liberdade tem a ver com ausência de constrangimento. Existe, em cada
um dos modos, uma tendência à permanência, chamada Conatus. Essa tendência é
a força dos modos em permanecer em seu ser, ou seja, de resistir a danos, às
intempéries da natureza, de se protegerem quando sentirem-se ameaçados, etc.
Quanto mais conatus tem uma coisa, mais ela se torna independente, ou seja,
mais ela é “em si mesma”. Decorre que não existe modo algum isento de forças
que o constranjam, isto é, forças contrárias à permanência em seu próprio ser,
donde conclui-se portanto que somente a substância é livre. Estas forças
constrangedoras são as afecções (ou paixões).
No
ser humano, todo esforço do corpo é também um esforço da mente. O esforço de
permanência (conatus) circunscrito na esfera mental, ou seja, na idéia,
chama-se vontade, ao passo que o
esforço de permanência circunscrito no corpo chama-se apetite. A junção de ambos, ou seja, a consciência do apetite
chama-se desejo. O desejo é o
apetite de que se tem consciência. Portanto, é evidente que não nos esforçamos
em fazer uma coisa que não queremos, não apetecemos e nem desejamos qualquer
coisa por a considerarmos boa, mas ao contrário, julgamos alguma coisa boa
porque a desejamos e tendemos para ela.
Na
medida em que o ser humano aumenta seu conatus, mais similar à Deus se torna. A
natureza humana está sempre inclinada ao engano, pelo seu conhecimento limitado
do mundo. Enganamo-nos com a ideia da liberdade pelo fato de não conhecermos as
causas de nossas ações.
Nossas
ideias são modos do pensamento de Deus, e nosso corpo é um modo da extensão de
Deus. Dessa forma, todas as nossas ideias existem em Deus, como modificações de
seu pensamento, ou seja, participamos do intelecto divino (modo infinito do
atributo infinito de pensamento). Assim, se tanto o corpo quanto a ideia
correspondem a Deus, não há uma separação entre eles, mas um paralelismo
perfeito, ou seja, são perspectivas distintas de um mesmo ser.
A
opinião e o conhecimento racional são inadequados, pois tendem a perceber as
coisas como contingências. Dessa forma, o conhecimento adequado é o intuitivo, que
concebe o mundo sob o aspecto da eternidade (sub specie aeternitatis),
ou seja, como participante da substância divina. Assim a natureza humana vive
um dilema: A razão inclina-se ao eterno enquanto que as necessidades do mundo
nos impulsionam para o temporal.
Como
todos os modos são necessidades da substância, não há como inferir juízo de
valor sobre eles, restando apenas o crivo da adequação ou não de certos modos.
Assim, por não ser livre, o homem não pode ser culpado de nada, em sua condição
de necessidade, mas isso não significa que não seja responsável por seus atos. Adequado é tudo o que potencializa o agir,
o agir da permanência (conatus).
As
emoções são as modificações do
corpo, causadas pelas afecções, pelas quais a potência de agir desse corpo é
aumentada ou diminuída, favorecendo ou entravando, assim como as ideias dessas
modificações. Assim, a emoção não envolve uma relação entre corpo e alma, mas
simplesmente uma condição corporal, ao mesmo tempo, a ideia dessa condição. É
aquilo que ocorre dentro de nós quando nosso conatus aumenta ou diminui. Quando
as afecções aumentam nosso conatus sentimos alegria, quando diminuem nosso
conatus sentimos dor.
Podemos
nos assemelhar cada vez mais a Deus se nos ascendermos em nossas ideias,
substituindo nossas percepções confusas por ideias adequadas (sub
specie aeternitatis). Cada ideia na mente corresponde a uma modificação
no corpo, sendo que quanto mais adequada é a ideia, mais a causa é interna ao
sujeito (potência de agir, conatus). Assim, aquele que faz uso adequado da
razão esforça-se por um aumento de sua potência, de modo a transformar a paixão
em ação e tornar-se mais livre. Essa aproximação da liberdade, para Espinoza,
corresponde à felicidade.
Potência
é sinônimo de perfeição, sendo que a alegria é uma afecção que nos impulsiona
para a perfeição superior, ao passo que a tristeza é uma afecção que nos
arrasta para o inferior. Assim, na
medida em que buscamos a satisfação de nossos desejos, deparamo-nos com
situações de alegria – se estes são satisfeitos – ou situações de insatisfação
e tristeza, caso contrário. Se mente e
corpo são paralelos, então a potência de agir facilita a potência de pensar, e
vice e versa. Uma dor física diminui nossa capacidade de concentração, por
exemplo.
A
diminuição da potência física que implica necessariamente na diminuição da
potencia da mente é denominado por Espinoza de escravidão, passividade. Para nos libertar da afecção
escravizadora, devemos substituir as afecções que diminuem nossa potência por
aquelas que aumentam nossa potência de pensar.
IV – REFERÊNCIAS
BIBLIOGRÁFICAS:
LIMA, O.F. O
conceito de felicidade em Espinoza. Disponível em http://www.marilia.unesp.br/home/RevistasEletronicas/FILOGENESE/orion%20Ferreira%20%2011%20_97-105_.pdf.
REALE, G;
ANTISSERI, D. História da Filosofia. Ed. Paulus. São Paulo: 2005.
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